Capítulo 42
Mariana queria rir da minha cara, mas ainda tava puta com a mordida que eu tinha dado na mão dela. Eu também não podia ficar sentada ali o tempo todo, relaxando, porque o moço do ônibus ainda tava lá no quarto, esperando a gente voltar, e a gente já tinha demorado demais.
— Sua puta, você mordeu minha mão! — ela falou irritada, mostrando a marca vermelha.
— Desculpa, prima… eu não consegui segurar… desculpa, dá um beijinho…
Peguei a mão dela e dei um beijo como se fosse dodói de criança. Foi engraçado ver a raiva derreter na mesma hora, como se o beijo tivesse levado tudo embora. Ela riu de mim, balançando a cabeça.
— Você é muito piranha, Julinha… puta merda, cara!
Terminei de me secar e levantei do vaso, cedendo espaço pra ela. Mariana se lavou rápido e aproveitou pra trocar o absorvente.
— Tá acabando? — perguntei, olhando meio de lado.
— Não, tá no meio ainda. A cólica foi embora, mas o peito e a coxa estão me matando…
— É, prima… pensei em deixar ele te comer, mas realmente ele não vai querer galinha ao molho pardo.
Ela se desabou de rir com a piada velha, rindo tão alto que eu mesma não aguentei e ri junto. E assim, meio cambaleando de tesão, meio rindo da nossa própria desgraça, a gente voltou pro quarto.
Quando chegamos, ele tava sentado no meu computador, navegando na internet. Na hora, meu coração gelou. Meus olhos foram direto na barra de tarefas, rezando pra não ter deixado nada constrangedor aberto. Se ele visse minhas conversas, eu tava fodida. Tinha até foto da rola do meu padrasto ali, se resolvesse fuçar. Mas me aliviou um pouco ver que tava tudo limpo, mas eu ainda estava cabreira. Ele parecia só olhar peça de carro, um escapamento novo pro dele. Parecia que nem tinha sentido o tempo passar.
— Amor, desculpa… a gente demorou porque teve que ligar a bomba, esperar cair água… quer ir no banheiro? — menti sem nem tremer a voz.
— Eu tava vendo umas paradas que eu quero comprar, nem percebi. Olha isso aqui… — ele virou a tela pra mim, empolgado.
Eu fingi interesse, balancei a cabeça como se fosse achar aquilo incrível, mas por dentro só pensava: “esse sujeito vai ser porco a ponto de não ir lavar o pau? Vai ficar tudo azedo aqui dentro se ele não for.”
— Tá legal, mas vai no banheiro, vai.
Ele se levantou sem discutir, obedecendo igual menino.
Quando cruzou a porta, eu me joguei na cadeira do computador e já soltei, mandona:
— Fecha a porta! Tu lembra se tinha alguma coisa minha aberta aqui quando tu tava no PC?
— Sei lá… do que tu tá falando? Normalmente eu troco pro meu perfil… por quê?
— Como é que vê o histórico de navegação? Prima, só quero checar se ele não viu nada.
As duas burras abriram o Google e começaram a procurar correndo, como se fosse questão de vida ou morte. Ninguém parou pra pensar que dava pra fazer isso depois com calma, mas eu sabia que, se não fizesse agora, ia passar a noite inteira encucada.
E aí veio a merda: a gente descobriu que o histórico não mostrava quando uma aba tinha sido fechada. Só mostrava quando tava aberta. Ou seja… se tivesse deixado algo aberto, ele podia muito bem ter lido e depois fechado, e ninguém nunca ia saber.
— Julinha, ele não viu nada, cara. Eu fechei tudo…
— Tu tem certeza?
— Claro que não…
Meu estômago gelou de novo.
— É, prima… fudeu. Só tem um jeito agora…
— Que jeito, garota? Fala! — ela se ajeitou séria, me olhando de um jeito que fez os pelos do meu braço se arrepiarem. Parecia que ia me dar uma notícia de câncer ou alguma desgraça dessas. A postura mudou toda, dura, grave. Mas bastou abrir a boca pra entregar o jogo: um risinho escapou e ela derramou de uma vez só:
— Vou ter que chupar o pau dele até ele confessar. — falou, antes de desabar numa gargalhada que me deixou puta.
— Também… com esse boquete ruim que tu faz, ainda bem que sabe que é tortura.
— Ninguém nunca reclamou! E eu não sou boqueteira feita tu!
Daí a coisa desandou. Virou gritaria, riso e porradaria em cima da cama. Eu pulei nela e comecei a esbofetear a cabeça dela com um travesseiro, enquanto ela tentava se defender se mijando de rir.
Quando o moço voltou, abriu a porta e pegou a cena: eu por cima dela, descabelada, e ela rindo sem fôlego, tentando me empurrar. Ele parou, riu da cena, e nós duas, vermelhas, bagunçadas, ficamos nos olhando, trocando segredos só com o olhar.
— Julinha, sua mãe falou pra eu não ir embora tarde. Até que horas tu acha que eu posso ficar? — ele perguntou, meio sem graça.
— Olha, as pessoas ficam até mais tarde aqui, mas acho que até meia-noite ela não vai reclamar muito, não.
Mariana, claro, se meteu:
— Ainda mais porque os dois devem estar transando no quarto. Tu viu teu padrasto todo serelepe?
Eu ri, quase engasgando.
— Mas eu não acho que ele tenha energia pra manter minha mãe entretida por muito tempo…
— Bem, se sua mãe for igual a você, ele tá perdido — disse o moço, rindo.
Na hora eu congelei. Olhei pra ele com dúvida, e uma pontada de irritação. Ao mesmo tempo que soava como elogio, me incomodava demais ouvir ele falar da minha mãe desse jeito.
— Ei… não fala da minha mãe não, hein!
Ele ergueu as mãos, rendido:
— Tá bom, desculpa!
Eu mantive o cenho cerrado, fingindo irritação. Ele nem tinha falado nada demais, pra ser sincera. Na real, a parte do elogio eu tinha até gostado. Era bonito ouvir um homem dizer que eu tinha fogo, que eu acabava com eles. Feio de se admitir, mas isso me deixava com uma sensação boa, meio de poder, como se eu mandasse no jogo.
Sentamos os três na minha cama, falando besteira, mudando de assunto sempre que ele tentava puxar de novo a conversa do carro dele. Mariana, como sempre, não se aguentava: tava doida com a ideia de a gente ir pra um motel. Nunca tinha ido, a curiosidade brilhava nos olhos dela. Eu, por outro lado, não sabia o que dizer. Também nunca tinha ido, e ele… bom, ele não falava muito sobre isso. Talvez não quisesse abrir a boca e deixar escapar quantas piranhas já tinha levado pra cama. Vai ver era medo de me deixar com ciúmes.
Mariana liderava a conversa, descrevendo coisas que tinha ouvido falar que existiam num motel, inventando até lista de posições que a gente devia tentar. Volta e meia, eu tinha que dar um tapa na bunda dela quando ela começava a querer mostrar pra ele uma delas, sem nenhuma vergonha. Ele ria, eu ficava entre brava e excitada, e ela se divertia, como sempre.
Eu só conseguia pensar no quanto aquele final de semana prometia ser louco. No sábado, eu ia na Diana me depilar. E eu não vou negar: eu tava doida pra pegar a professora. Eu sabia que esse papo de “ah, eu te ajudo a se depilar” era só desculpa dela pra me comer. E no domingo… no domingo eu ia dar pra ele a tarde inteira, até ficar paraplégica se fosse preciso.
Só de pensar nisso, minha buceta enchia de água de novo, meu rosto corava, e eu tinha que rir sem motivo nenhum, disfarçando.
Eu queria muito começar uns pegas de novo com ele, mas percebia que a atenção dele tava mais na Mariana. Eu conhecia esse olhar. Ele tava tentando, de algum jeito torto, começar uma transa com nós duas. Dava umas indiretas no meio da conversa, ria alto sem motivo, ajeitava o pau dentro da bermuda de um jeito que atraía nossos olhos sem querer. Só que ele não sabia criar o clima, deixava tudo meio forçado.
Então resolvi entrar na brincadeira:
— Vamos levar a Mariana com a gente pro motel?
— Se ela quiser ir… — ele respondeu, mas fez uma cara de preocupação que tentou disfarçar na mesma hora.
— Que cara é essa? Viu, Mariana? Acho que ele não quer te levar com a gente porque quer ir só comigo.
— Não é isso, pô!
— Como assim, rapaz, tu não quer ir comigo? — falei, fingindo drama, só pra induzir ele ao erro.
— Ihhh, prima… esse daí eu não sei não… — Mariana entrou na piada, me zoando.
— Não, gente… é que eu tenho que ver direitinho, porque sai mais caro — ele se enrolava todo, tentando disfarçar o real problema que já tava estampado.
— Mais caro como? Nem faz sentido, a gente só vai usar uma cama! — falei.
— Não se preocupa, tá? É só uma taxinha. Se a Mariana quiser, eu pago.
Mariana deu até um salto de alegria, como se fosse uma criança que ganhou presente. Eu olhei pra ela e pensei: “esse cara é um duro.” Aposto que o medo dele não era só da tal taxinha. Ele devia era temer que o negócio virasse festa: nós duas descendo o frigobar, pedindo tudo, e ele sem grana pra bancar. Ainda mais sem ter certeza se ia comer Mariana mesmo. Ia ser uma aposta alta demais pro bolso dele.
— Mas cara, eu divido contigo as despesas, tá? Não se preocupa… — falei tentando aliviar.
— Dividir como, Julinha? Tu é uma fudida do caralho! — Mariana se meteu, me zoando.
— Eu pago no cartão, ué.
— E quem paga teu cartão? O que tua mãe vai dizer quando ver na fatura “Motel Foda à Jato Berimbolo”?
Eu não aguentei e caí na risada do nome do motel que ela inventou.
— Não vem o nome do motel na fatura, sua burra.
— Tá, mas como vai justificar o valor?
— Sei lá, Mariana, eu peço emprestado… faço um bico…
— Bico? O único bico que tu conhece são os bicos que tu sarra na favela.
O tapa que eu dei nela foi mais pra me defender do que qualquer coisa, mas acabou pegando mais nele do que nela. Ele olhou surpreso, nós duas rimos, e a conversa seguiu.
— Gente, sou eu que vou levar e é responsabilidade minha, tá? — ele falou, tentando encerrar o assunto de vez, todo sério.
A gente não deixou. Voltava e meia a conversa voltava pra mesma ladainha: primeiro era “vamos levar a Mariana sim”, depois já vinha um “ela não vai querer, deixa pra lá”, e logo em seguida tudo virava piada de novo. Ficamos assim, rodando nesse joguinho, entre risos, cutucadas e provocações, até minha mãe aparecer de camisola na porta, com a cara amarrada, e expulsar ele de casa por volta da meia-noite.
E ele se foi.
