Capítulo 49

Ela que estava toda iluminada, rindo com aquele sorriso branco, deixou a felicidade escorrer do rosto como se alguém tivesse apagado a luz de repente. O brilho sumiu, o semblante caiu entre o “sem graça” e o “incrédula”.

— Ué… — ela murmurou, estendendo a mão e pegando o celular da minha mão.

Eu, mais idiota do que nunca, perguntei:

— O que foi, Diana?

Ela demorou uns segundos, o suficiente pra me matar por dentro, e aí abriu a boca:

— Nossaaa… que delícia… — disse, mentindo na cara dura, tentando esconder a verdade que eu já sabia.

Eu ri sem acreditar.

— Eita, parece que não gostou. Tá sapatona tanto assim?

A provocação saiu meio debochada, meio nervosa. Eu queria era cutucar, ver se ela se entregava, se abria o bico.

— Não, é que… eu tenho a impressão de já ter visto esse pau em algum lugar, ele me é familiar… — a voz dela saiu meio falha, como quem pensa alto.

Eu forcei um riso debochado.
— Que papo é esse? Diana, rola é tudo igual, né? Não muda muito… vai ver é isso.

E calei a boca. Deixei ela ali, em silêncio, com o tico e o teco dela brigando na cabeça. Eu sabia. Ela sabia. Mas eu queria ver até onde ela ia. Queria assistir a ficha cair. Olha, eu não sou má, e também não tinha muito direito de reclamar — naquela bagunça todo mundo estava errado. Mas foda-se: eu tava puta dela estar pegando meu homem, do mesmo jeito.

— Onde você conheceu ele, Julinha? — ela perguntou, com uma calma que parecia treinada.

— No ônibus. Ele tava indo buscar a merda do carro dele na oficina, a gente trocou telefone e começou a sair.

Ela suspirou, pesado, quase um soluço engolido.
— Posso ver uma foto dele?

Por dentro, eu ri. Eu sabia: ia ter o mesmo efeito de um soco na boca do estômago se eu mostrasse. Eu sou muito vaca, puta merda.

Dedilhei o celular na mão dela, e claro, um monte de foto indecente pipocava na galeria — buceta, rola, até a porra do meu padrasto apareceu lá pra me dar um susto. Mas Diana nem piscou, o olho dela só procurava um rosto.

— Aqui. É esse aí… — eu mostrei, a voz quase seca.

Pronto. A máscara caiu. Não tinha mais sorriso, não tinha mais brilho. Só um par de olhos vermelhos e inchados, marejando. A expressão dela era uma mistura de raiva, decepção e dor.

Por um instante eu temi. Tive medo real do meu celular voar pela janela, estourar contra a parede, sei lá. Estiquei a mão, tentando pegar de volta antes que ela surtasse.

— Vocês vão no motel amanhã… que horas? — ela perguntou, e a voz dela agora era um fio.

— De tarde, umas três… por quê? — respondi, quase engasgando.

A lágrima escorreu sem cerimônia pelo rosto dela. Caiu no lençol e ficou ali, um borrão molhado entre nós. Então ela colocou o celular entre nós duas, como quem devolve uma prova, e se jogou pra trás, esticando o braço até alcançar o criado-mudo do outro lado da cama.

Na segunda gaveta, ela puxou algo.

O porta-retrato.

Na hora, o inferno que eu já carregava no peito pegou fogo de vez. Era isso que eu queria. Ela me entregou o porta-retrato e eu, sonsa, fingi nunca ter visto antes, fiquei olhando fixo, sem dizer nada, como se fosse novidade.

— Julinha… o meu namorado é o seu namorado. Nós duas estamos sendo enganadas. — a voz dela saiu quebrada, mas firme.

Eu ri torto, sem achar graça nenhuma. Eu poderia ter jogado na cara dela que enganada era só ela, que ele nunca tinha assumido nada comigo, que eu mesma não tinha moral nenhuma pra reclamar já que vivia dando pros meus “primos”. Mas a verdade é que me bateu tristeza. Eu queria que ele me assumisse. Queria mesmo. Até armei um plano idiota de apresentar ele pra minha mãe, como se fosse oficial.

E foi isso que escapou da minha boca, genuíno, cru:

— Caralho… eu apresentei ele pra minha mãe como meu namorado! Fudeu, cara! Agora ela vai me encher o saco!

Na hora, outro pensamento podre brotou na minha cabeça: será que eu ainda devia ir pro motel com ele? Mesmo achando que tava errada, quem tinha mentido era ele, não eu. Se ele não me pegou, então o errado era só ele, né? No fundo eu pensava: só tá errado quem é pego. Eu podia muito bem dar pra ele amanhã e depois decidir se ia contar ou não. Mas aí vinha a dúvida: e se a Diana abrisse a boca e dissesse que eu já sabia antes? Aí eu ficava parecendo a mais otária da história.

— Caralho, que ódio que eu tô! — falei alto, sentindo o sangue ferver de verdade.

— Também tô, Julinha. Também tô. — Diana respondeu, enxugando as lágrimas que ainda escapavam.

Mas dentro de mim, a revolta nem era tanto por ele. O que mais me corroía era pensar que a Diana, essa mulher fodona, não ia mais querer olhar na minha cara. E tudo porque eu era burra demais.

— E agora? — perguntei alto, mas a pergunta era mais pros meus próprios pensamentos do que pra ela. Mesmo assim, ela respondeu:

— Agora é dizer pra ele que a gente sabe. E passar bem. Brigar pra quê, não é mesmo?

Eu parei, abracei meus joelhos em cima da cama e apoiei o queixo. Pensava, pensava, e cada vez mais coisa vinha à tona.

— Eu sabia que era estranho demais ele não querer vir aqui na sua rua… sempre me largava na esquina lá embaixo. — falei, lembrando e mordendo a boca de raiva.

A gente começou a destrinchar as datas e horários, como duas detetives baratas. A maioria batia direitinho: quando ele não estava comigo, estava com ela. E quando não estava com nenhuma das duas? Pois é… devia estar com outra vagabunda. Piranhudo de merda, devia encher aquele carro velho de puta.

Diana virou pra mim com um ar ainda mais inconformado, os olhos vermelhos de raiva e desgosto.

— E agora, Julinha… o que a gente faz?

Eu olhei pra ela, fiz aquela pausa que só quem não presta sabe fazer. “Eu não valho nada, eu sei que não valho nada”.

— Você já disse: a gente avisa a ele que sabe… — falei, com a maior calma do mundo.

Mas o que ela viu no meu rosto naquele instante não foi calma nenhuma. Foi a cara mais diabólica que eu já dei na vida. Porque eu tinha outro plano. Eu ia aprontar de novo.

Pela primeira vez, ela riu de verdade pra mim, meio assustada, meio curiosa.

— Garota, que cara é essa? O que você tá pensando?

Eu inclinei a cabeça e respondi, quase manhosa:

— Você confia em mim?

— Não. — ela rebateu rápido. — Mas fala logo o que você tá pensando.

Fiz suspense, deixei o ar pesar. Uma pausa bem medida, até ela se mexer impaciente.

— Você não tá a fim de ir lá em casa um dia desses não? — soltei.

Ela estreitou os olhos, desconfiada.

— Julia, eu até posso ir… mas me fala o que você quer fazer!

Eu não aguentei e caí pra trás na cama, gargalhando com gosto, o riso sacudindo meu corpo inteiro.

— Ué… encontrar nosso namorado!

— Julinha, eu nem quero saber de ver esse cara de novo, sabe? Eu acho que eu perco as estribeiras. Vou te contar uma coisa, sabe o dia o que ele estava voltando da oficina e conheceu você? Sabe quem pagou o reparo da batida do carro que ele foi buscar? EU!

Eu olhei para ela, pensei…

— Olha, eu nunca fui de dar muita atenção não, mas eu tenho certeza que ele estava indo buscar o carro para trocar por um escapamento moderno pipi pópó lá que ele mandou instalar, ele ficou falando dessa merda a semana inteira! Não falou nada de batida.

— Que filho da puta, eu passei um aperto da porra emprestando um dinheiro que eu não tinha, e quando eu perguntei por que o carro dele fazia aquele barulho ele disse que estava furado e não teve dinheiro para consertar! Ele me paga.

— É, não tinha nada de batida. Eu lembro disso, ele foi na oficina do Geraldo e lá é coisa de som, roda e quinquilharia para carros de playboy.

Confesso que ver que ela se fodeu mais que eu me deixou feliz, mas eu ainda estava com raiva e ele ia me pagar. Peguei meu telefone, e olhei para ela.

— Precisamos de ajuda e eu sei quem pode nos ajudar.

— Quem, a polícia?

— Não, a mulher mais barraqueira da face da terra.

— Quem? Sua prima?

— Não, a minha mãe!

E eu liguei, e aquele filho de uma puta ia ver o que era bom pra tosse.