Capítulo 50

Quando fui começar a chamada, Diana arregalou os olhos e lembrou que a gente ainda estava só de calcinha. Tomei um choque, nem tinha me tocado disso… imagina minha mãe atendendo e me perguntando por que eu estava “estudando” com a professora praticamente pelada. Que desastre.

Apressadas, nos recompomos e fomos pra sala, sentamos no sofá tentando parecer normais.

— Você tem certeza disso, Julinha? — ela perguntou, com aquele ar de quem já queria recuar.

— Tenho. E uma hora eu vou ter que contar mesmo, ela vai perguntar de qualquer jeito. — melhor já me livrar de um problema de uma vez.

Convencida de que motel já não era mais opção, peguei a lista de contatos e liguei. O telefone demorou uma eternidade pra ser atendido… se eu tivesse morrendo já teria ido pro caixão, porque minha mãe é uma anta com celular.

Finalmente, a voz dela surgiu do outro lado.

— O que você quer, Julinha?

Pelo tom preguiçoso dava pra imaginar: devia estar deitada do lado do meu padrasto. E na hora pensei: esses dois só sabem transar, credo, parece que é de família. Soltei uma risadinha sem jeito e mandei:

— Mãe, eu preciso chamar meu pai, tô com um problema.

Do outro lado da linha, minha mãe deu um pulo e já aumentou o tom. Lá em casa, falar em chamar meu pai era sinal de guerra. O homem era da pá virada, resolvia tudo no grito ou no braço, e por isso mesmo ela evitava ao máximo envolver ele em qualquer coisa.

— O que você tem, minha filha?! — berrou assustada.

— Mãe, fica calma…

Ela já entrou em modo de combate, as veias do pescoço saltando até pela ligação.

— Não manda eu ficar calma, responde, caralho!

— Tô bem, mãe, não é isso. Mas escuta…

Ela respirou fundo, um pouco mais contida.

— Fala logo, porra. Fica me dando susto, sua filha da puta.

— Eu sou sua filha, não esquece.

— Julinha, tu não testa minha paciência.

Então eu soltei. Contei cada detalhe, sem pressa, quase como se fosse fofoca de vizinha. Disse onde tinha conhecido o cara, falei da história do carro, falei da Diana, dos desencontros… e, só pra jogar um temperinho a mais, deixei escapar que ele tava me chamando pro motel no dia seguinte.

Fiz uma pausa, segurei o silêncio. Do outro lado, dava pra sentir o peso da respiração dela. Minha mãe olhava pro meu padrasto — e como sempre, ela esquecia que a gente escutava tudo pelo telefone. Começou a debater com ele como se eu não estivesse ali. Diana me olhava estupefata como se tivesse em um zoológico.

O frouxo do meu padrasto logo mandou a pérola: era melhor não fazer nada, deixar o garoto pra lá. Típico. Minha mãe, por outro lado, queria arrancar o pescoço dele com as próprias mãos. Eu conhecia: se eu não falasse nada, ela ia acabar cedendo pro bundão.

— Mãe, a coisa é meio pior, sabe? — soltei, já botando lenha. — Não foi comigo, mas ele tirou dinheiro da Diana. A coitada rala dando aulinha pra pagar as contas, passa um aperto do caralho, e o safado ainda foi meter a mão no dinheirinho dela. Coitada.

Eu sou falsa.

Do outro lado, ouvi meu padrasto tentando sair por cima, mas era só a voz murcha dele.

— Isso é caso de polícia. Manda ela ir na polícia.

Quase não consegui ouvir direito o que foi dito depois, porque o grito da minha mãe quase estourou a porra do telefone.

— Que mané polícia, seu frouxo! Você quer minha família em fila de delegacia junto com puta e maconheiro? Você comeu merda?!

Eu não perdi a chance e joguei mais pilha:

— Ele tem medo do meu pai, mãe…

— E você cala a boca! — ela estourou pra cima de mim. — Porque eu sei que de algum jeito você tá errada nessa história. E passa já pra casa, quero você aqui imediatamente, ouviu bem?

E para me certificar…

— Mãe, a senhora liga pro pai ou eu ligo?

Minha mãe ficou séria, parecia que o ódio dela tinha ido todo embora. Ela respirou, olhou pra um lado pensativa. Parecia que estava decidindo se ia apertar o botão da bomba atômica.

— Eu vou falar com ele. Não se preocupa não, só não quero você de conversa com ele. Ouviu bem?

Mordi a boca e quase pulei de alegria pelo caos que eu tinha acabado de plantar, mas não podia deixar transparecer.

— Ele vai aí em casa amanhã, mãe.

— Que horas isso?

— Umas duas ou três…

Minha mãe soltou aquela risadinha que dava medo, um sorriso torto que já anunciava desgraça, e disparou:

— Deixa ele. O motel que ele vai é a cadeia, e lá ele que vai ser a mulherzinha…

Minha mãe, sempre a melhor das feministas. Eu ri sozinha desse meu pensamento.

— Mãe… eu sei que a senhora me quer em casa porque tá nervosa, mas eu vou ficar fazendo companhia pra Diana mais um pouco, tá? Ela é sozinha…

Saiu meigo, até com uma pontinha de verdade. Eu tinha uma afeição real por ela, mesmo com toda a confusão.

— Traz ela aqui pra casa. — o tom da minha mãe subiu, dava pra ouvir ela se mexendo do outro lado, como se já abrisse espaço na cama. — Diana, vem dormir aqui em casa, filha, eu cuido de você.

Diana me olhou sem graça, não tinha nada a ver ela ir pra minha casa. Ela era mais velha uns anos, me via como fedelha… bem, fedelha que fodeu gostosinho com ela. Antes que resolvesse responder, eu cortei na frente:

— Mãe, vou ver com ela aqui, tá? Não demoro e mando mensagem quando tiver saindo. Tudo bem?

A resposta veio do jeito clássico da minha mãe: desligando na minha cara.

Minha mãe não dizia tchau.

As últimas horas haviam sido um turbilhão de emoções se sensações, eu estava com medo, tesão, gozei para caralho, peguei uma mina linda, senti dor, ódio, inveja, culpa daria para ficar o dia todo falando. O que eu senti ali agora que eu desliguei o telefone era vazio. Não sei explicar o motivo disso ou por que eu tou falando disso agora.

Diana me olhou curiosa, os olhos azuis piscando diferente.

— Eu queria ter uma família assim, sabe? Uma família com quem eu pudesse contar. A sua é bem unida.

— A minha é… eu reclamo, falo mal, mas quando alguém precisa, todo mundo aparece de enxada e tocha na mão, pronto pra armar quizumba.

Ela riu, juntando o cabelo loiro num coque improvisado.

— Sua mãe foi uma fofa, me chamando pra ir pra lá.

— Olha, Diana… eu sei que não tem nada a ver, mas seria legal sim. Você distrai a cabeça um pouco. — soltei um riso safado, não resisti — e a gente dá uns peguinhas…

Ela riu nervosa e ficou vermelha, as bochechas queimando.

— Meu Deus, garota… depois de tudo isso, você ainda pensa nisso?

— Não. Eu não estava pensando… até olhar direito pra você.

Diana fez uma pausa, e no rosto dela aquele peso todo foi se dissolvendo, como nuvem abrindo pro sol. E aí veio aquele sorriso, a luz bonita dela voltando. Quando percebi, ela já tinha se inclinado.

O beijo começou suave, um roçar hesitante de boca contra boca, como se ela estivesse testando o terreno. Eu senti o cheiro doce do cabelo dela, a respiração quente batendo no meu rosto, e me entreguei. A língua dela foi pedindo passagem, e eu deixei, abrindo a boca devagar, até sentir o gosto dela misturado com o meu. O coração disparou, as mãos que antes estavam apoiadas no sofá subiram pro corpo dela quase sem eu perceber.

Diana gemia baixinho no meio do beijo, e cada som fazia meu corpo tremer mais. Ela me puxava pela nuca com força, como se tivesse medo de eu escapar, e eu me agarrei nela também, sentindo nossas coxas roçarem, nossas respirações virarem uma só. O beijo foi crescendo, do carinho pra urgência, do suave pro molhado, do medo pra fome.

Por mais que a minha perereca estivesse gritando por aquela mulher, ainda tinha uma coisa que a gente precisava fazer…

Ligar para ele garantir que ele estivesse amanhã, como uma pateta dentro do covil que eu chamo de lar!