Capítulo 51

Diana estava do meu lado, olhos arregalados, corpo meio duro, como se a garganta tivesse travado. Eu percebia, claro que percebia, ela queria dizer alguma coisa mas não saía nada, e eu sabia bem o que era: ela tava matutando um jeito de pular fora.

— Vai dar pra trás, não é, Diana?

Ela engoliu seco, balançou a cabeça.

— Não… não é isso. Só não sei se vale a pena. De repente era melhor só ligar pra ele e cobrar logo meu dinheiro. Depois eu falo que fiquei sabendo.

Eu respirei fundo, cruzando os braços, já meio impaciente.

— Pode ser. Quer saber? Liga agora. Ele tava em casa mesmo, mentiu que tava trabalhando. Só tá esperando eu chegar em casa pra vir pra cá, provavelmente.

Ela ficou pensativa mais um instante, como quem pesa todas as opções e não gosta de nenhuma, mas acabou pegando o celular. Procurou o nome dele na agenda, hesitou, e antes de apertar o botão olhou pra mim.

— Coloca no viva-voz. — eu disse, firme.

“Loira lerda”, pensei, mas fiquei quieta.

— Só não fala nada de amanhã, tá?

— Tá bem… — ela murmurou, respirando fundo.

O tom da chamada ecoou pelo quarto. Uma, duas, três vezes. Eu já tava roendo por dentro quando finalmente ele atendeu, a voz dele escorrendo pelo alto-falante com aquela calma falsa que me dava nojo.

— Oi, Di, tudo bem? — disse o canalha, como se fosse um santo.

— Oi, amor… — a loira foi falsinha, a voz doce demais.

Eu fiz uma careta na hora. “Nosso namorado” e ela chamando de amor? Apontei pra ela, corrigi em sussurro debochado:

Oi, mor!

Ela quase perdeu o ar, soltou um riso nervoso, mas segurou.

— Deixa eu te falar, tem como, por favor, você depositar o dinheiro que eu te emprestei dois meses atrás hoje ainda? Minha tia tá precisando…

Do outro lado, silêncio. Longo. O tipo de silêncio que só filho da puta sabe dar.

— Sabe o que é, Di… eu fiquei de te dar mês passado, mas apertei um pouco. Até falei com meu pai, mas ele também tá sem grana. Teria como deixar virar o mês?

Ela me olhou. Eu olhei de volta. Nenhuma de nós acreditava, mas a desculpa, se fosse de outro, até passava. Canalha falando, é só mais uma mentira bem ensaiada.

— Tá bom, sem problemas. Quando virar o mês, você me dá, então… — respondeu ela, mansinha.

E aí veio a bomba.

— E vem cá, sua aluna já foi?

Os olhos dela quase saltaram da cara. Me encarou rápido, e mentiu como só mulher sabe mentir.

— Saiu sim, amor. Você vem pra cá?

— Vou sim, em meia horinha chego aí, pode ser?

— Amor, vamos deixar pra outro dia? Eu tô morta de cansada, cheia de problema…

Do outro lado, mais silêncio. E aí ele mandou, com voz de santo arrependido:

— Tudo bem… eu vou sentir sua falta.

Eu, no reflexo, arregacei: fiz mímica da fala dele, careta e voz de choro, “tudo bem, eu vou sentir sua falta”. Diana teve que virar o rosto, quase engasgando de tanto rir, a mão tapando a boca.

Mas a loira sabia ser filha da puta.

— Amor, e amanhã? Vamos dar uma voltinha de tarde, sei lá… um shopping, um motelzinho…

Eu arregalei o olho, tapei a boca com a mão. Aquilo foi rasteira, golpe baixo. Diana sabia muito bem que ele ia estar comigo, e ainda assim soltou a proposta só pra ouvir a mentira sair fresquinha da boca dele.

E ele, claro, caiu igual um pato.

— Pois é… amanhã quem tá enrolado sou eu o dia todo. Fiquei de ajudar uns amigos aí…

Eu e ela nos entreolhamos na mesma hora. A vontade era de gritar na cara dele, mas Diana segurou firme, e quando abriu a boca a voz dela veio doce, quase melada, só que por baixo dava pra sentir o veneno escorrendo.

— Ajudar uns amigos… É por isso que eu te amo. Você é muito prestativo.

O “prestativo” saiu cuspido, meio deboche, meio ódio, e eu precisei morder o punho pra não gargalhar alto no meio da cena.

E desligaram.

A gente caiu na risada, rimos alto, aquele riso nervoso que serve de catarse, como se tivesse lavado a alma no meio de toda aquela sujeira. Mas eu juro, não deu trinta segundos — meu telefone começou a tocar. Olhei o visor e já senti o sangue ferver.

— Julinha? — a voz dele veio melada, de boa, como se nada tivesse acontecido.

— Oi, moço… tudo bem? — respondi na maior sonsice, olhando pra Diana.

— Então… acabei liberando mais cedo e queria passar na sua casa, pode ser? Sua prima tá com você aí?

Filho da puta. Filho da puta! Perguntando logo da minha prima.

— Cara, eu tô saindo da casa da vaca agora! — falei rápido, rindo alto pra Diana entender a ironia. — Acho que só amanhã… hoje tá cheio de gente lá. Minha mãe vai dar um culto, se você pisar lá vai acabar no meio da roda das irmãs ungidas!

Diana arregalou os olhos e me olhou com uma falsa ira, só mexendo a boca pra eu ler: “Vaca, porra?”.

— Aí babou… — ele respondeu, meio sem graça. — Mas amanhã tá de pé?

— Tá. Mas chega mais cedo um pouco, faz uma sala lá em casa pra minha mãe não encrespar. É só falar que a gente vai no shopping, a Mariana dá cobertura.

Do outro lado, silêncio. Ele gaguejou:

— Ela vai com a gente?

Eu ri, ri gostoso, deixando ele ouvir meu riso debochado.

— Talvez… quem sabe?

E deixei no ar. Eu queria isso mesmo: deixar o prêmio maior, fazer ele salivar, garantir que ia cair na armadilha e entrar na minha casa de peito aberto. Diana me olhava séria, sem acreditar no que eu tinha acabado de aprontar.

— Mulher, eu tô quase com pena dele… tu não é mole, sabia?

Eu ri satisfeita, mordendo a língua, meu velho hábito de criança quando sentia que tinha vencido. Estava tudo pronto. Olhei pro relógio — hora de ir. Eu queria ficar com Diana ali, grudada nela, mas não dava. Minha mãe estava nervosa e eu precisava estar em casa pra segurar ela, não deixar arregar. Aquele malandro precisava aprender a lição, parar de sair enganando mulher por aí. O mundo não é um morango.

Diana foi ao banheiro e, quando voltou, eu já estava de roupa, mochila no colo, ajeitando minhas coisas.

— Diana, quer saber? Vamos lá pra casa?

Eu sentia que ela queria, mas a vergonha prendia.

— Vai ser legal. A gente chama minha prima, fica vendo filme, comendo pipoca, pizza… o que você quiser.

Ela riu, mordendo os lábios, considerando de verdade.

— Eu quero, amiga… mas tô sem graça. Não conheço ninguém lá.

— Ué, você me conhece!

Ela congelou, ficou rindo pra mim, como se estivesse esperando só um empurrãozinho.

— Vai logo, sua loira lerda! Faz tua mochila pra gente ir!

— Não me chama de loira lerda que eu não gosto! — gritou Diana, entre zangada e feliz, correndo pro quarto e voltando com uma bolsinha de academia.

Enquanto ela se arrumava, eu peguei o celular e digitei rápido:

“Mulé, vai lá pra casa agora, babado fortíssimo, dorme lá! Tá de xico ainda?”