Capítulo 57

Quando ele chegou eu fui até até a janela, ele estava do lado de for a do portão, o carro parado em frente a minnha casa já estacionado, ele sorriu para mim, aquele riso gostoso e a cara de safado achando que ia me comer, por um segundo eu quase desisti de tudo e entrei nno carro dele para ir pro danando do motel, eu ia sentir falta daquela rola ue eu pouco aproveitei.

Eu tava puta com ele, mas no fundo nem sabia se tinha direito de estar tanto assim. Eu mesma não sabia mais como agir, nem tinha parado pra pensar se tudo aquilo era certo. Meu pai só mandou:

— Vai pra cozinha.

Mal eu sentei, ele cruzou a porta aberta. O canalha entrou todo sorridente, mas bastou olhar em volta pra tremer inteiro. Ele percebeu na hora que o clima ali não era bom pra ele. Apertava a carteira e as chaves na mão, como se fosse amuleto, e ainda tentava manter a pose. Não tinha reparado na gente na cozinha ainda.

— Sente-se, homem. — meu pai ordenou, a voz seca, sem levantar um dedo.

O rapaz soltou um riso gelado, tentou arriscar um “boa tarde” que ninguém respondeu, e sentou todo encurvado. Aí olhou pra cozinha. Gelou. Colocou a mão no rosto, e a expressão virou pânico puro. De alegre a amedrontado em segundos.

— Filho… pra que motel você ia levar minha filha? — meu pai perguntou, direto.

— M-motel nenhum, não, senhor… — ele gaguejava.

— Então a minha filha mentiu?

Silêncio. O canalha ficou mudo, sem saber pra onde olhar.

— Não vai responder, né… eu te entendo. — meu pai soltou, fazendo uma pausa comprida, quase poética. Coçou a barriga com calma, e quando o rapaz abriu a boca pra tentar falar, ele cortou de novo:

— E a outra mocinha bonita ali?

Mariana estava com os olhos e a boca escancarados, dura de tensão. Diana segurava o choro, mas dava pra ver a raiva nela — a boca tremendo, pronta pra desabar. Eu, se tivesse que levantar e andar naquela hora, ia cair de cara no chão.

Nosso namorado olhava em volta como se alguém pudesse aparecer e salvar ele daquela enrascada. A única pessoa que desaprovava tudo era o meu padrasto, balançando a cabeça negativamente — frouxo do caralho.

O canalha tentou me encarar, os olhos pedindo ajuda. Mas eu fiquei imóvel, sem expressão nenhuma. Por dentro, era um mix de medo, nervoso e, sei lá por quê, vergonha. Vergonha porque meu pai tava ali, falando em motel, como se eu fosse virgem ainda. Mal sabe ele…

— Não vai responder? — meu pai quebrou o silêncio, a voz pesada. — Vou te ajudar: você tava namorando a minha filha e aquela moça junto.

O olhar do velho era uma faca.

— Você sabe o que acontece com malandro como você de onde eu venho?

O cara só balançou a cabeça afirmativamente, sem ousar abrir a boca. E foi a melhor coisa que ele poderia fazer. Se soltasse uma vírgula fora de lugar, meu pai matava ele ali mesmo. E eu não tô exagerando.

— E o dinheiro da moça? — meu pai incorporou um mafioso — Eu quero agora.

O moço suspirou fundo, tentando arrumar coragem.

— Olha, senhor… eu não tenho agora. — e virou os olhos mendigando pra Diana. — Eu falei que pagava pra ela no dia do meu pagamento.

Meu pai não perdoou.

— Rapaz, sujeito como você não tem palavra. Você é um bosta, um cão imundo, um verme maldito. — o tom dele subiu, cortante. Ele ajeitou a arma na cintura, inclinou-se na ponta da cadeira e mandou: — Eu quero garantia de alguém ou de alguma coisa, e eu quero agora. Ou tu sai daqui deitado, seu merda.

Minha mãe, calada até então, abriu a boca como quem sabia jogar junto:

— Juízo, homem. Não vai dar tiro em gente dentro da minha casa, pelo amor de Deus. Polícia não pode vir aqui, ouviu?

Se eu não conhecesse minha mãe, jurava que ela teria falado aquilo para valer. Mas não. Ali era teatro. Se meu pai era Lampião, ela era Maria Bonita. Estava só ajudando a aumentar o medo no infeliz.

— Mas… mas, senhor… eu não tenho… — o rapaz gaguejava, suando frio.

Meu pai se levantou. Foi até a janela, deu uma olhada lá fora e, quando voltou, olhou pra mim. Sorriu. E era o sorriso dele, o mesmo sorriso de filho da puta sacana que eu herdei.

— Vem cá, moleque.

— Não, que isso, senhor?

— Pois venha cá. Seja homem.

Meu pai agarrou ele pelo pescoço, mas nem precisou apertar muito. O rapaz cedeu, mole, e os dois saíram juntos.

Nós três levantamos na hora e corremos pra janela, mas minha mãe já mandou na lata:

— Sentadas. Todo mundo na cozinha.

— Ele não vai matar ele, não, né? — perguntou Diana, quase chorando, a voz embargada.

— Não, acho que não… — Mariana respondeu, como se aquilo fosse o mais normal do mundo.

Os dois ficaram lá fora, na frente de casa, uns dez minutos trocando conversa. Eu roía as unhas de nervoso. Até que, pela outra janela, vi o moço colocando o carro na minha garagem. Meu pai esperava no portão, de braços cruzados, olhando ele estacionar como um carcereiro vendo o preso voltar pra cela. Quando terminaram, entraram de novo.

— Agora, moleque, pede perdão por desrespeitar a casa.

Ele foi até minha mãe, de cabeça baixa, tremendo feito vara verde.

— Perdão, senhora…

Minha mãe soltou um “não” baixo, mas audível.

— Aí é contigo, mulher — falou meu pai, a cara fechada.

— Pede perdão pra Júlia.

— M-me desculpa, Julinha… — disse ele, quase chorando.

Foi nessa que meu pai não aguentou: deu um tapa forte atrás da cabeça dele, seco, que fez nós três gritarmos de susto.

— Desculpa é o caralho, seu merda! É perdão. E pra você é Júlia, seu vagabundo arrombado!

O rapaz encolheu os ombros, tentando se proteger de um próximo golpe, e gaguejou virado pra mim:

— P-perdão… perdão, Júlia.

Eu fiquei quieta. Queria mais era que ele se explodisse. Mas a real? Depois de tudo aquilo, se ele quisesse me levar pro motel, eu ia. Foda-se, quem vai me recriminar?

Meu pai então apontou pra Diana.

— Perdão pra ela também.

— Perdão, Diana. Prometo que não faço mais isso com ninguém…

— Agora pode ir, moleque. Quando quiser, já sabe: só entrar e tirar teu carro, não precisa falar com ninguém, a garagem estará sempre aberta. — a fala dele gelou todo mundo na sala. — Temos um acordo?

— Sim, senhor… — respondeu o rapaz, a voz embargada.

Meu pai se inclinou um pouco pra frente, o olhar duro.

— Vou te lembrar, pra não ter confusão: eu não sou a Julinha, eu não sou a Diana, nem as vagabundas que você passa a perna na rua. Tu pode pegar teu carro a hora que quiser… mas se pegar sem acertar comigo, já sabe, né? Eu vou atrás de você. E não vai ser mais pra conversar. Entendeu?

— Entendi, sim, senhor.

— Pode levar a chave do seu carro.

O moço saiu sem se despedir, a cara no chão, sem coragem nem de olhar pra trás. E quando a porta fechou, o silêncio que ficou foi cortado só pela respiração pesada da gente. O clima de vingança concluída começou a explodir por dentro, feito pólvora acesa. Quando ele cruzou o portão a gente comemorava e ria igual final de copa do mundo.

— Tia, cadê o champagne? — Mariana gritou, safada.

— Que mané champagne, Mariana! Para de graça. — minha mãe ralhou, mas rindo.

Diana me abraçava e ria alto, quase chorando.

— Nossa, mas eu tô muito de alma lavada! Bem feito pra aquele merdinha! Que feliz eu tô… MEU DEEEEUS!!!! BERROOOOOOO!!!!!

Ela ainda correu pra abraçar meu pai, que ficou todo sem jeito, e a loira apertava tanto que quase esmagava o coitado.

Mas tinha alguém que não tava satisfeita: eu.

— Pai, o carro dele não pode ficar na garagem da gente… — soltei aquele riso de filha da puta. — Ali passa a gente de bicicleta, sempre dá gato… vai acabar arranhando o carro inteiro dele.

Meu pai me olhou, sério, mas logo devolveu o mesmo sorriso safado, igualzinho ao meu.

— Eu quero é que o carro dele se foda. Se arranhar, foda-se.

O olhar dele era a aprovação mais filha da puta do mundo.

— Mariana, Diana… vamos ali ver um negócio na garagem. — falei, já passando a mão numa faca de cozinha.

E lá fomos nós. Diana e eu descarregamos toda a raiva na lataria do carro, arranhando de ponta a ponta, sem dó. Mariana ria, fazendo escândalo. Foi a primeira vez que eu vi a Diana com verdadeira raiva nos olhos, cada arranhão que ela dava era como se riscasse o nome dele da vida dela. Mas a diversão não durou muito, mesmo não morando com a gente, a mania de falar gritando vinha do meu pai.

— JULINHA, O MERDINHA ME DEU O TELEFONE DELE MAS EU ESQUECI O NOME DELE.

Eu ri, meu pai tinha uma memória péssima.

— É CLAUDINEI PAI!!!!!!