Capítulo 59

Ela mudou de posição e sentou-se na beirada da cama sem modos algum, calcinha à mostra para tirar minha concentração. Dava para ver os pentelhos dela ali sentada do chã

— É, mas depois você ficou atrás de mim dizendo que queria me pegar — soltei, birrenta, a voz mais alta do que eu queria.

— Então… — ela suspirou, de pernas abertas e prendendo o cabelo — o homem ficou doido depois daquilo. Me encheu o saco até não poder mais. Todo dia queria que eu te ligasse, que eu te chamasse pra “um lance”, que marcasse outro “sem querer”. Sabe?

— Filho da puta — soltei mais pra fazer coro com ela do que por raiva.

— Pois é. Pra ser honesta, eu até cogitei — ela se inclinou na minha direção, cotovelos nos joelhos, o rosto nas mãos. — Mas, porra! Tu é minha “prima”. Muito novinha, meu bebezinho.

E tacou uma almofada na minha cara.

— Ah, fala sério… você sempre odiou a Mariana e eu!

— Odiava nada, maluca. Eu amo vocês. Só que vocês são o que? Dois — quase três — anos mais novas que eu. Eu queria namorar e vocês ficavam me enchendo a porra do saco.

Ela sentada de pernas abertas na altura dos meus olhos começou a me irritar; dei um tapa na coxa dela.

— Fecha as pernas, garota. Tenha modos! Tou vendo sua buceta daqui.

Carla se jogou pra trás na cama e me deu um vislumbre dos fundos, a calcinha quase não dando conta de guardar o pastel da moça e a saia agora parecia cinto quase.

— Falou igual meu pai, porra. Para de olhar pra minha buceta, caralho!

Esse era um dos motivos de falarem mal dela na família: a Carla não tinha modos. Sempre teve mais corpo que todo mundo e é a que menos usa pano quando entra na piscina aqui de casa. A gente foi criada ouvindo que, com homem por perto — mesmo parente —, era pra se cobrir e não ficar de bobeira só de biquíni. “Homem é maldoso”, dizia minha mãe. Eu nunca entendi muito, pensava “quer olhar, que olhe, foda-se”, mas cresci nessa regra e acabei me acostumando.

A Carla, não. Ela sabia que todo mundo olhava — e pior, se amostrava ainda. Dançava, rebolava, fazia graça pra plateia.

— Julinha, tu é muito sapatãozinha, garota — ela soltou rindo, com uma malícia que era armadilha.

— Você também é, e eu sei — respondi, porque, né… a gente já tinha se pegado.

Ela lançou um olhar rápido pra porta, como quem vai tramar golpe de Estado.

— E vem cá… você e a Mariana? Se pegam?

A pergunta foi um soco no meu estômago. Ela não é burra — ou percebeu, ou alguém contou. Eu não podia entregar a Mariana, e na vadia da Carla eu não confiava cem por cento. Menti, mal, mas tentei.

— Não… Mariana é hétera, pô. Tem namorado e tudo!

— Onde que a Mariana tem namorado e ninguém sabe, Julinha? Vai mentir pra outra, vai!

Fiquei acuada e parti pro ataque.

— E você? Pega mulher mesmo, de fazer de tudo?

— Pego, mas prefiro homem. Sinto muita falta de rola! — ela gargalhou, finalmente ajeitando a saia.

— E teu namorado? Não acha ruim?

— Porra nenhuma. O sonho dourado dele é chamar uma amiga — fez cara de safada, insinuando o motivo. — Entendeu?

— É… e essa quase fui euzinha — ri, nervosa.

— Mas meio que foi, né, Julinha… — ela sorriu, o riso virando curiosidade. — Tu era virgem mesmo? Nunca tinha feito nada?

— Nada. Nadica. Pura e intocada.

— Eita, mulher… então eu te estraguei — ela ficou séria, me olhando. — Desculpa, prima. O certo era eu ter te tirado de lá. Às vezes eu me sinto culpada.

— Fica não, prima. Depois disso, muita coisa aconteceu. Isso já nem é tão importante.

Dizer isso foi uma catarse — palavra nova que aprendi na internet, mas é isso mesmo. Falar em voz alta me deu um estalo: me entendi melhor, aceitei mais a minha história e me vi mais perto da mulher que eu quero ser.

A pergunta foi um soco no meu estômago. Ela não é burra — ou percebeu, ou alguém contou. Eu não podia entregar a Mariana, e na vadia da Carla eu não confiava cem por cento. Menti, mal, mas tentei.
— Não… Mariana é hétera, pô. Tem namorado e tudo!
— Onde que a Mariana tem namorado e ninguém sabe, Julinha? Vai mentir pra outra, vai!

Fiquei acuada e parti pro ataque.
— E você? Pega mulher mesmo, de fazer de tudo?
— Pego, mas prefiro homem. Sinto muita falta de rola! — ela gargalhou, finalmente ajeitando a saia.
— E teu namorado? Não acha ruim?
— Porra nenhuma. O sonho dourado dele é chamar uma amiga — fez cara de safada, insinuando o motivo. — Entendeu?
— É… e essa quase fui euzinha — ri, nervosa.
— Mas meio que foi, né, Julinha… — ela sorriu, o riso virando curiosidade. — Tu era virgem mesmo? Nunca tinha feito nada?
— Nada. Nadica. Pura e intocada.
— Eita, mulher… então eu te estraguei — ela ficou séria, me olhando. — Desculpa, prima. O certo era eu ter te tirado de lá. Às vezes eu me sinto culpada.
— Fica não, prima. Depois disso, muita coisa aconteceu. Isso já nem é tão importante.

Dizer isso foi uma catarse — palavra nova que aprendi na internet, mas é isso mesmo. Falar em voz alta me deu um estalo: me entendi melhor, aceitei mais a minha história e me vi mais perto da mulher que eu quero ser.

— Então quer dizer que a dona Júlia é a mais nova putinha da família? — ela disse num tom sacana, mais carinho do que ofensa.

— Parece, né? Roubei teu posto!

Eu ri sozinha e ela ficou séria de repente. Olhou pra porta, pensou, voltou pra mim.

— Mas eu bem que pegaria você, prima.

Caralho. Aquilo me atravessou. Eu sempre achei que era zoeira, bullying bobo pra me deixar vermelha. Mas agora ela tava ali, olhando dentro de mim, dizendo essa porra na minha cara.

Fiquei quente, vermelha, sem saber onde pôr as mãos.

— Aí, garooota… — eu ri, sem graça nenhuma.

Carla se levantou, foi direto no meu armário e abriu a porta como quem conhece a casa melhor que eu.
— O que você quer no meu armário, maluca? — falei indignada com a folga dela.

— Lenço umedecido — ela já revirava minhas maquiagens, mexendo nas coisas sem cerimônia. — Achei.

Pegou um lenço, ficou de lado pro espelho e começou a esfregar a boca, tirando o batom com cuidado.

— Por que você tá tirando o batom? — perguntei, curiosa.

— Porque borra muito.

— Tá, eu sei que borra… mas você já tá com ele. Corrige se borrar. E nem tava borrado.

Ela aproximou mais o rosto do espelho, concentrada em apagar o vermelho escuro.

— Mas vai borrar.

Eu não entendi nada até ela terminar, dobrar o papel e jogar no cesto. Na sequência, passou na porta, virou a chave, conferiu duas vezes se estava trancada e veio na minha direção. Sentou no meu colo sem pedir, o peso quente, o cheiro doce na minha cara.

Eu petrifiquei.

— Eu não quero você toda borrada do meu batom quando sua mãe chegar, Julinha.

Ela falou baixo, quase encostando a boca na minha. Minha pele arrepiou inteira. As mãos dela vieram pro meu rosto, leves, e por um segundo eu só ouvi a própria respiração, presa, cortada. A ponta do nariz dela roçou a minha. O quarto encolheu. E antes que eu pensasse em qualquer coisa, a Carla sorriu do jeito que sempre me desmontou e sussurrou:

— Tem que ser esperta prima.

E me beijou.

O beijo da Carla tinha identidade, pegada. Era firme, quente, colocado no lugar certo, do tipo que toma o espaço e te pega por dentro. O peso do corpo dela no meu colo me acendeu: as coxas apertando minhas laterais, o quadril encaixado em mim, o calor atravessando o tecido fino da minha roupa. A barriga encostou na minha, o peito roçou no meu queixo, e eu senti a pele dela cheirar a à algum creme de revista que eu conhecia e gostava com um resto de perfume doce. Ela se impunha ali em cima, e a sensação era essa mesmo: eu não estava “trocando” beijos, eu estava sendo beijada, conduzida, obedecendo ao ritmo que ela decidia.

A boca da Carla era macia e resoluta. Primeiro ela pousou os lábios, testando, e depois prendeu meu lábio de baixo entre os dentes, uma mordida leve que me arrancou um som. A língua veio em seguida, lenta, pedindo passagem e tomando, contornando meus dentes, desenhando minha boca por dentro como quem aprende um mapa. Ela alternava pressão e doçura: sugava, mordiscava, recuava um milímetro e voltava com mais fome, sempre no controle, e eu ia derretendo sob o comando dela, mãos perdidas sem saber onde segurar, deixando que o beijo me desmontasse inteira.

Não deu trinta segundos de beijos e eu sentia calcinha inteira molhada e o juízo indo embora.