Capítulo 65

Olha, foi muito azar. Machucar o rosto é castigo em dobro: todo mundo pergunta, sempre tem um imbecil que insinua que você apanhou na rua e você precisa repetir a mesma história até perder a paciência. Agora me diz: e quando acontece no meio de eu estar chupando a boceta da prima, e ela, e quando ela goza, enfia unha, dedo, mão e quase o antebraço dentro do meu olho? Pois é. A versão real não dá pra contar na fila da padaria.

Ficou pior porque não deu tempo de combinar mentira nenhuma. O desespero bateu na hora. Eu tava com a cara cheirando a boceta, ardendo de dor, precisando me limpar primeiro, e não tinha um lenço sequer no quarto — acabei tudo com a Carla. Com meus gritos, minha mãe veio correndo com meu padrasto atrás. A Mariana se vestiu num pulo e, quando eu contei o que houve, Mariana só tratou de repetir a minha versão, como se ensaiasse:

“Eu pulei em cima da Mariana, ela tava com o braço pro alto e o dedo pegou no meu olho.”

A verdade? A Mariana me deu uma porradona.

Minha mãe me pegou pelo braço e me levou pro hospital. Até hoje não sei como ela não sentiu o cheiro de boceta na minha cara. O médico, se percebeu, guardou pra ele. Olhou, iluminou, anotou, carimbou e mandou a pirata pra casa de tampão.

A conta das mentiras com o padre ficou enorme, de tanto que eu e a Mariana recitamos a mesma mentira sem piscar.

O que eu tive afina no olho? Hipema traumática. Não é “basicamente”, é literalmente sangue dentro do olho. Podem falar tranquilo que eu tô com “sangue no zóio”. Tratamento: uma sacola de remédios, tampão colado e repouso total por cinco dias, podendo virar mais de duas semanas. Com chance de ficar uma marquinha pra sempre. Cortesia da Mariana, que não aguenta ser chupada sem virar uma britadeira.

Falando sério agora, foi grave. Eu poderia ter ficado cega ou por pouco ter passado por uma cirurgia, mas a recuperação foi tranquila e minha família inteira se revezou não me deixando sozinha um só minuto, até os parentes que eu detestava vieram de orelhinha baixa desejar melhoras.

Num desses dias, no turno da Mariana, a gente ficou deitada na sala, uma do lado da outra, TV baixinha, falando mais baixo ainda pra minha mãe não pescar nada da cozinha.

— Júlia, e o dinheiro da faxina, você gastou? — a Mariana perguntou sem tirar o olho da TV.

— Não. Tá guardado, acredita? — estiquei a cabeça pra cozinha pra ver minha mãe e meu padrasto. — Ahn, prima, por mim ele pegava de volta e eu não fazia droga nenhuma.

— A gente podia gastar, hein! — ela animou.

— Ah tá, dondoca. Eu trabalho e você torra?

— Eu faço a faxina com você. — A voz dela não era muito confiante, era mais para um eu trabalho e ela olha.

— Vai lá sozinha pra ele te assediar o dia inteiro. Vai.

Ela fez cara de nojo.

— É… tem isso, né? — deu de ombros, mas já vinha com o plano. — A gente não ia pro motel com esse dinheiro?

Eu ri. Sempre imaginei a cena ridícula de nós duas num motel. Mas queria.

— Meu amor, e se pedirem documento? Vai mostrar o quê, a carteirinha falsa de estudante que você usa para pagar meia?

Mariana fez aquela cara de ranço, mas não soltou a ideia.

— E se a gente comprasse um vibrador?

Eu ri e o olho latejou.

— Não me faz rir, caralho.

— Desculpaaaa!

— Vou falar que é uma boa, hein! Tá com o celular? Pesquisa aí. — já veio na cabeça meia dúzia de modelos que eu tinha visto.

Ela ficou um segundo pensando e o sorriso desabou.

— Mas, Julinha, como vão entregar? Sua mãe fica em casa o dia todo. Lá em casa, qualquer um abre as caixas.

— Aí… fudeu. — saiu num sopro.

Enquanto ela se divertia clicando em anúncio de sex shop, eu só pensava numa coisa: tinha alguém que receberia, traria pra mim e, se eu apertasse, até pagava o troço.

“Caralho, Julinha…” pensei, com dois capetas nos ombros. Anjo aqui não trabalha.

— Mariana, escolhe logo. Eu sei como conseguir isso de boa.

— Como? — ela, toda curiosa. — A Diana? Ela nem te responde.

Mariana só ia sossegar se eu cuspisse um nome, então inventei qualquer história pra ela calar a boca. A verdade? Eu já tava ensaiando pedir pro meu padrasto comprar e entregar pra mim. Preço em “serviço”: uma foto minha usando a parada ou um videozinho curto. Ele já viu coisa pior.

Só de pensar deu aquele gelo bom. Ansiedade no talo, adrenalina pura. Vontade burra de fazer merda “só pra ver no que dá”. Eu roendo a unha e remoendo as ideias, Mariana jogando na minha cara mil modelos, e eu travada pensando no que ele ia pedir em troca e se valia a pena. A gente combinou “nada físico” e isso me deu uma coragem filha da puta pra aprontar com ele.

— MÃÃEEEEE! — gritei da sala, minha mãe a dois passos na cozinha.

— Que foi, garota, vai gritar por quê? — ela no humor padrão.

— Semana que vem eu tô liberada pra fazer esforço físico?

Minha mãe resmungou algo, meu padrasto riu e mandou:

— Sério, Júlia. Sossega esse facho. É pra descansar e tu já tá pensando em esbórnia?

Mariana ouviu, ergueu a cabeça tipo suricato.

— O que é esbórnia, tia?

— Cala a boca, Mariana!

— Ih, mãe, tá vendo? Eu só perguntei porque eu quero ir logo lá na casa do meu padrasto fazer a faxina, né?

Minha mãe veio pro meu lado, incrédula, com o mau humor virando deboche.

— Em que inferno nasceu o demônio que se apossou do corpo da minha filha, que agora quer fazer “faxina”?

Eu sentei mais reta, cruzei as pernas no sofá. Mariana me imitou, claro.

— É que, mãe, eu tô precisando de um dinheiro pra comprar umas coisas. Se eu fizer essa, ele me chama pra outra depois.

Se eu tivesse dado um tapa nela, ela não ficava mais chocada. Da cozinha, meu padrasto soltou:

— Viu? Menina empreendedora.

— E você, seu traste, cale a boca. Desde quando faxina é coisa de “empreendedora”? — minha falou gozando dele fazendo aspas no ar com o dedo enfatizando o empreendedora.

Se é ou não é empreendedorismo, ninguém tem coragem de discutir com minha mãe. Ela mexia os lábios como quem conversa com ela mesma. Até que estourou:

— E pra que você quer dinheiro? Você não paga nada nessa casa.

— Ela quer me levar no motel, tia? — Mariana, alheia, jogou gasolina.

Eu senti o gosto ferruginoso do soco imaginário da minha mãe na minha boca. Mas quem me surpreendeu foi ela.

Gargalhou.

Mas gargalhou tanto que começou a tossir e meu padrasto teve que trazer água. A crise de riso acabou com ela no telefone ligando para minha tia contando o que a Mariana tinha acabado de falar, eu tenho certeza que minha tia achou a coisa mais enhraçada do mundo por que na cozinha a risaiada estava solta. Mas se elas soubessem da missa um terço, talvez não rissem tanto.

Me levantei pra mijar e levei o celular. No vaso, com o olho ardendo e a tela piscando, digitei tudo torto.

“Ou! Coloca pilha nela ae. Quero comprar um bagulho e receber na sua casa. Minha mãe não pode saber.”

Enviei.

“O que é?” — foi a resposta dele.

Eu podia inventar mil merdas, mas pra quê né, se eu podia atentar o diacho!

“Um vibrador delicioso.” — juro que eu escrevi enquanto ditava para mim mesma com um prazer lento.

A resposta veio seca, com endereço completo, CEP, nome e o CPF dele pra nota.

“Compra e manda lá pra casa.”

Agora eu queria de graça. Respirei fundo, deixei o xixi acabar, limpei, e escrevi.

“Eu queria que vc pagasse… se pá.”

Demorou dois segundos.

“Depende. Se eu pagar você vai buscar?”

O coração bateu no gogó. Mordi o lábio, senti o cheiro do banheiro, cloro, e uma coragem idiota me subiu pelas pernas junto com tesão.

“Vou. Mas quero pegar no portão.” — falei me esquivando fazendo cu doce.

Ele digitou. Parou. Digitou de novo. Meu cu trancou e a mão suou.

“Minha proposta é: Você faz um test drive na minha frente. E eu até compro para você, só me mandar o modelo. E quem sabe eu não compre mais outras coisinhas junto?”

Eu ri sozinha no banheiro. A vontade de fazer merda roncando dentro de mim e boceta começando a pingar.

“Vou pensar, Tá?”

Três pontinhos. Silêncio. Mais três pontinhos.

“Manda o modelo. Eu pago. Já sabe o preço.”

Guardei o celular no bolso e saí do banheiro com a cabeça zunindo. Parei no caminha da escada e olhei para sala.

— Mariana, agora que você frustou os nossos planos de ir pro motel, vamos ter que nos contentar com o nosso quarto. — falei olhando para a minha mãe para que ela entendesse que era brincadeira — Passa pra cima mulher!

Mariana passou na corrida me simulando beijinhos apaixonados na minha direção.

Minha mãe fez a última piada sem graça dela, trocamos boa noite e fui pro quarto.