Capítulo 68

Tão logo o fogo baixou, caiu a ficha: péssima ideia enfiar coisas não anatômica. Com a escova sozinha já deixava dolorido às vezes; com outra pessoa, pior ainda. E pior com tesão no talo e eu berrando “enfia, enfia mais”. A realidade veio quente: ardência por dentro, períneo esticado, a frente sensível, o cu reclamando em ondas.

Deitei e soltei o corpo. Precisava ir ao banheiro. Sensação de “quero cagar” batendo forte, eu sabia que não tinha nada pra sair, era só o reflexo do corpo tentando se reorganizar depois de ficar todo aberto. O ar-condicionado esfriava o meu corpo e me dava arrepio de dentro pra fora, um vazio estranho, bom e ruim ao mesmo tempo.

Olhei pra Mariana. Ela estava com meu celular, calada, escolhendo e apagando foto. Ampliava, dava zooms pornográficos, arrastava, voltava, comparava. Cara de perita de pornografia caseira, sem soltar um comentário. A boca abria, quase falava, fechava. Eu via o discurso inteiro passando na cabeça dela: “olha o brilho”, “olha a borda do cu”, “olha como abriu”, “olha a porra do buraco”. Não disse nada. Ficou muda, vidrada, dedo rolando a tela, como se assinasse laudo do meu estrago.

— Me dá isso — falei, sem força pra brigar. — Vou no banheiro.

— Eu tava vendo… — ela fez cara de birra.

— Mas eu nem vi ainda, garota. — tomei o celular da mão dela e comecei a passar as fotos. — Merda de olho… não tô enxergando direito.

Na real eu tava com medo do que ia ver. Sempre achei bizarro ver pornô quando o cara tira depois de comer atrás e fica aquele buraco feio aberto. “Como que homem se excita com isso? É feio demais…”. Eu queria ver as fotos, mas um olho tampado e o outro embaçado atrapalhando, e a Mariana enfiando o dedo na tela, ampliando, apontando borda, brilho, tudo, estava me irritando.

— Para com a mão — rosnei. — Eu vou ver no banheiro.

Levantei devagar. Coxa colando, ardendo. Cada passo com peso fantasma cutucando, esfíncter testando se tava tudo no lugar. Sentei no vaso. O corpo fez o resto: só ar, só reflexo, o “desenrosco” depois da foda bruta. Respirei. Ardeu mais um pouco. Passou.

— Vou botar lubrificante na lista — pensei e ri sozinha.

Olhei as fotos no silêncio do banheiro. Nada de novidade. Eu não tava “boca de bueiro” porra nenhuma. Só mais aberta, normal pra quem acabou de tirar duas coisas de dentro. Mariana fez escândalo à toa. Na frente, igual quando eu fico muito excitada ou depois de muito tempo metendo. Atrás, só mais relaxado; deu pra ver mais dentro porque eu empurrei pra fora. Pornográfica? Pra caralho. E era essa a ideia.

Me limpei, lavei o que dava, conferi no papel se tinha sangue — e puxei a calcinha devagar. Fui pra cozinha beber água. A casa toda em silêncio é bizarra; sempre tem alguém cruzando o corredor, falando alto, fuçando panela. Ficar sozinha ali, encostada na pia com meu copo d’água, até foi bom. Mas é a minha casa, né! Não para ficar dois minutos em silêncio. Do corredor veio o clique da porta do quarto da minha mãe e, de repente, meu padrasto apareceu, tomou um susto quando me viu.

Era ele. Só de short de dormir, sem camisa.

Ele não era maromba de academia, mas tinha corpo de homem: ombro no lugar, uns pelos ralos no peito, nem magrelo, nem molenga. Cara amassada de sono. Quando me viu, deu aquela travadinha de um segundo.

— Não foi dormir ainda, Julinha? — bocejou.

Ao vivo o traste vira outro bicho: finge que não existe nada entre a gente, como se nunca tivesse trocado foto, como se nunca tivesse falado putaria comigo. Pose de “educado”, olhar limpo, tom manso. Safado fingido, asqueroso. O show dele, quando tem gente por perto, é ficar encarando e soltando gracinha. Dei mais um gole, fria, e deixei ele se contorcer no próprio constrangimento com a minha presença.

— Só desci pra fazer xixi e beber água. Já tô voltando pro quarto — falei natural, sem segundas intenções, juro.

Ele parou, olhou pro corredor de onde veio, ficou ouvindo a casa como quem mede risco. Quando percebeu que tava tudo em silêncio, puxou o tal sorrisinho.

— Vai voltar pro segundo round? Você e sua prima tão aprontando?

Ele não sabia nada da Mariana e nem podia saber. Eu não queria esse desgraçado encostando o olho nela de jeito nenhum, ou eu fazia merda das grandes com ele.

— Olha aqui, seu bosta — falei tremendo de ódio —, para de graça com a Mariana. Se eu souber de qualquer merda tua com ela, eu jogo tudo no ventilador.

Ele não me respondeu de imediato.

Somente foi até a geladeira, pegou água, serviu o copo em silêncio. Veio até mim e se encostou na pia do meu lado, como se a cozinha fosse dele.

— Julinha, a gente tem rabo preso um com o outro. Quando é assim, ameaça não resolve. Isso aqui é parceria, entendeu?

— Que mané parceria.

— Você sabe do que eu tô falando. — falou querendo mudar o assunto.

— Não fica de graça com a porra da Mariana, ouviu?

— Tá bom, chefe — ele levantou a mão no deboche mole. — Só não esquece que se aperta de um lado, aperta do outro também.

Ele olhou de novo pro corredor e baixou o tom.

— Só quero que você não fale disso nem com sua prima nem com ninguém, tá ouvindo? — a voz veio com ameaça leve. — No nosso acordo, essa é a sua parte.

Eu tomei ar, birrenta e disparei com o rosto quase colado nele.

— Sua parte é ficar na tua e fazer o que eu mando — segurei pra não enfiar o dedo na cara dele. — Tá me ouvindo bem?

Eu sabia que meu tom não metia medo, mas falei mesmo assim. E foi no meio desse teatrinho que eu realmente olhei. O short de dormir puxado na frente, volume marcando claro. Meu cérebro deu um clique.

“Caralho, Julinha.”

A discussão não ia dar em nada ali. E eu nem queria discutir. A adrenalina bateu de novo, aquele gelo nos ossos que me deixa nervosa e com vontade de fazer merda. Olhei pro corredor como se alguém fosse aparecer a qualquer segundo.

— E minha mãe, dormiu? — falei cochichando agora.

Ele ficou se ocupando de lavar os copos, cuidadoso pra não fazer barulho e sem perceber que seu navio estava prestes a ser abalroado.

— Sim. A pobre tava cansada, tomou um remédio pra dormir. Só amanhã agora…

Minha mãe é ruim pra dormir. Quando apela pros remédios, cai feito pedra — e mesmo assim acorda junto com as galinhas super bem disposta.

Na minha cabeça ainda batia o tesão da Mariana metendo em mim; a porra da lata e da escova pareciam ainda me apertar por dentro. O desejo tinha baixado, mas tava vivo, elétrico, coçando o grelo. Ver o estropício ali, fingindo ser normal, me deu aquela vontade de fazer merda: gelo nos ossos, mão suando, coração na boca. O corpo reagiu na hora: adrenalina e vontade de fazer merda.

Saquei o telefone, abri a pasta de fotos e ergui na altura da cara dele, ainda de costas.

— Vira. Olha isso.

Ele virou e levou um susto com a câmera na cara. O susto virou sorrisinho idiota, depois espanto, e parou numa expressão morta que eu nem identifiquei. Ele tentou pegar o telefone para ver melhor e eu só afastei um dedo da sua cara.

— Não. — Falei em tom zangado — Vê na minha mão!

— Quem é? — ele quase soltou “Mariana”, eu vi, mas conseguiu se corrigir a tempo — é você?

— É. Enfiei um desodorante na buceta e uma escova no cu.

Os olhos dele grudaram nos meus, incrédulos, querendo fugir e não fugindo. O silêncio pesou. A cozinha virou só o barulho geladeira que passou a trabalhar com mais força depois de ter sido aberta e o nosso fôlego. Eu cheguei meio passo, colei o brilho da tela no rosto dele com a foto mais suja e aberta, fazendo ele engolir seco.

O short dele marcava.

Minha mão foi sozinha.

Agarrei o volume que protuberava no short e apertei, com força, e, ali fiquei.