Capítulo 1

Mano, eu sempre fui viado. Isso não tem discussão, eu sabia desde moleque, mas era daqueles enrustidos que se alguém chegasse perto de falar eu já socava a cara do cara. Inclusive aconteceu: um filho da puta na balada me cantou, eu meti a mão tão forte que o cara voou, assinei boletim, respondi processo, paguei caro e ainda hoje acho que valeu cada real.
Devia era ter aceitado o convite dele.

Minha vida sempre foi uma moleza. Pais separados, casa só pra mim de frente pro mar, carro importado na garagem, trabalhar eu nem sei o que é isso ainda. O velho já me garantiu o futuro na empresa dele, é só eu querer.

Tenho a Barbara. Todo mundo que eu conheço queria pegar a Barbara. Loira perfeita, corpo de academia, bunda que para o trânsito, mina que qualquer macho baba. E coitada, ela sofreu demais na minha mão, porque eu transava com ela direitinho, fazia ela gozar, mas no fundo eu sempre sentia que faltava alguma coisa, um buraco do caralho que eu não conseguia explicar pra ninguém.

Estudei em colégio de padre, talvez o único no mundo que não tinha a porra de um viado dentro, ou então meu gaydar era uma bosta total naquela época. Eu nunca fui afeminado, muito pelo contrário: corpo trincado, voz grossa, piada de macho, tapa na bunda das mina na balada. Ninguém nunca imaginou, até hoje se eu conto o povo fala que é mentira.

Mas eu olhava pros caras. Olhava o volume na sunga, a bunda dura, o peito suado na academia, as veias saltando no braço depois do treino. Ficava fascinado, morrendo de tesão, mas só olhava. Nunca tive coragem de ir além.

Teve uma fase que eu fui até psicólogo pedindo pra me tratar, falava que era doença da cabeça, que queria cura. O cara só ria e dizia que não tinha cura nenhuma, que era normal. Eu saía puto da vida, chegava em casa batia punheta pensando em homem e depois chorava no chuveiro, esfregando sabonete como se pudesse lavar aquilo tudo de mim.

Até que eu reprimi tanto, enterrei tão fundo, que a coisa pareceu que tinha sumido. Casei com a mentira de vez. Virei o cara perfeito que todo mundo inveja: namorada gata, rolê caro, amigo de alta, futuro garantido.

E aí, mano… aí que a porra toda começou a desmoronar de verdade.

Eu vou contar a partir do momento que eu acho que começou de fato, materialmente a minha transformação, e isso foi a partir de uma briga, onde Barbara estava no meu quarto, emburrada com alguma coisa.

O quarto tava pesado, o ar condicionado no 18 graus deixando a pele arrepiada, a luz do fim de tarde entrando pela janela enorme e cortando o chão de madeira com faixas laranja-sangue. O mar lá fora fazia barulho de fundo, mas dentro parecia que o silêncio engolia tudo. Eu sentia o cheiro do meu suor da academia ainda grudado na camiseta, misturado com o perfume doce dela que ficava no ar mesmo quando ela tava puto.

— Fala porra, — gritei com ela que fingia que eu não estava no mesmo ambiente que ela — Porra, que mulher chata do caralho, vai ficar emburrada o dia todo?

Ela me olhou rapidamente, sentada no sofá de um lugar do meu quarto com o celular de tela acesa nas mãos, ajeitou o camisão que vestia só de calcinha por baixo, fez uma cara de poucos amigos e voltou pra tela.

— Barbara, caralho, se tu vai ficar aqui sem falar comigo, pega suas coisas e vai embora. — me levantei irritado e apontando pra porta indicando a saída.

Ela deixou o celular cair ao lado, rente ao corpo e me olhou com a fúria que eu buscava em seus olhos. Apontou o dedo em riste pra mim, expressão fechada e soltou num tom baixo que cortava mais que grito.

— Você para de gritar comigo, ouviu bem Leonardo? — Ela esperou alguma coisa, porque fez uma pausa longa antes de continuar. — Você tá errado, tão errado que nem sabe a merda que você fez, ou melhor a merda que não faz, porque se fizesse a gente não estaria aqui discutindo.

— Ahn tá! E eu vou ter que adivinhar agora?

Olhei em volta pro meu quarto, e pensei o quanto de briga nossa aquele quarto já tinha testemunhado: marcas de copo na mesa de cabeceira, roupa dela jogada no chão de outras noites, o cheiro de sexo que nunca era completo.

— Leonardo, o problema é o mesmo de sempre: a gente não transa, cacete! Eu tô andando pelada na sua frente o final de semana inteiro e você não tá nem aí.

Eu torci a cara, não pra revidar, mas eu sabia que ela tava certa. Eu precisava dizer algo, mas o quê? Que eu não gostava dela? Mentira, eu gostava, aliás amava ela, mas não tinha tesão nenhum.

— Leo, a gente não transa. Quando transa é boquete e cu. — ela levantou o camisão que vestia me mostrando uma calcinha transparente com detalhes lindos em preto e um bordado delicado que revelava seu púbis todo depilado a laser. — Me chupar? Nunca, né? Parece que tu tem nojo de buceta cara. Eu sou mulher Leo, eu tenho necessidades, poxa.

Coloquei a mão na cintura esperando ela respirar e ganhar tempo pra dar uma desculpa.

— É que… — passei a mão aflito nos cabelos rodeando o quarto de um lado pro outro como se andar ajudasse em alguma coisa — Eu tô com uns problemas aí…

— Que problema Leo? Que problema você tem? Me fala, conta pra mim? — Os braços cruzados e a cara de raiva com deboche sinalizava ironia.

Eu não tinha o que dizer, a boca seca, o coração batendo tão forte que dava pra ouvir no silêncio do quarto, o ar condicionado gelado demais deixando minha pele arrepiada enquanto a luz laranja do fim de tarde entrava pela janela e pintava o rosto dela de um tom triste, quase vermelho de raiva e choro.

Ela se sentou na beirada da cama, pernas cruzadas, camisão ainda meio levantado mostrando aquela calcinha preta de renda que eu mesmo tinha comprado pra ela, e quando a cara amoleceu veio aquele tom que me matava:

— O que foi, fala? A gente esfriou, foi isso?

— Ahn, não sei… acho que sim…

— Acha que sim? — cruzou os braços, voz já tremendo — Eu tenho certeza que sim. Me fala o que você quer pra esquentar? Ficar assim é que a gente não pode.

Eu engoli em seco, sentindo o suor frio escorrer pela nuca, sabendo que aquela briga era daquelas que ou explode tudo agora ou termina dias depois com mensagem fria, e eu via o fim chegando.

— Sei lá… algumas coisas pra apimentar o sexo…

Foi o estopim.

— Caralho, Leo! — gritou, voz quebrando no meio, olhos marejando de uma vez, respiração curta, peito subindo rápido debaixo do camisão fino — Eu faço a porra toda que você quer! Eu odeio dar o meu cu, dói pra caralho e você só pede isso! O que você quer mais? Uma amiga? Relacionamento aberto? Você tá com outra, né? Pode dizer…

Puta merda.

Na real a Barbara topava tudo, tudo mesmo, engolia, deixava eu meter forte, gozava gemendo alto, fazia carinha de safada quando eu pedia, a gente tinha feito de tudo… menos a única coisa que eu queria de verdade e nunca deixei: massagem na próstata, dedo na minha bunda, língua ali. Toda vez que ela sugeria eu travava na hora, “coisa de viado, Barbara”, “eu sou homem, porra”, “para com isso”, e agora ela chorando na minha frente, me olhando como se eu fosse o maior filho da puta do mundo enquanto eu ficava ali de pau mole dentro da bermuda, coração disparado, morrendo de medo dela descobrir que o problema não era ela, era eu querendo exatamente o que eu negava a vida inteira

— E… se a gente fizesse essa parada que tu sempre quis fazer e eu não deixei? — joguei, tentando disfarçar o quanto meu pau já tinha dado um salto só de falar aquilo, como se a ideia tivesse vindo dela, como se eu estivesse só sendo bonzinho.

Ela me encarou, o choro ainda grudado nas bochechas, mas a raiva já mais baixa, contida, como se tivesse gastado o fôlego todo.

— Que parada, cara? Eu não sei do que você tá falando.

— De enfiar alguma coisa na minha bunda, pô. Tu sempre pediu isso e eu sempre neguei… — falei com a cara mais natural do mundo, passando a bola pra ela, como se fosse só mais uma concessão de quem está tentando salvar o relacionamento.

Ela fez uma cara de desdém, sobrancelha arqueada, boca torcida.

— Sério? Mas você não gosta. O problema, Leo, não sou eu. O que eu queria nesse momento era estar sentando em você, porque eu tô ovulando e cheia de tesão pra caralho — inflou o peito, voz subindo só um pouquinho — O PROBLEMA É VOCÊ, PORRA!

E aí desabou.

Meia hora seguida de ladainha: vacilos da época da escola, como eu tratava mal a minha mãe, o jeito que eu falava com os amigos dela, o dia que eu deixei ela esperando no shopping, tudo. Eu desliguei total, só olhando pro teto, pro mar lá fora ficando roxo, pro reflexo da luz na parede. Deixei ela descarregar.

Voltei a prestar atenção quando ela jogou, já cansada, voz rouca de tanto gritar:

— Você acha que enfiar alguma coisa na sua bunda vai resolver? — ironia pura. — Se resolver eu enfio até o braço.

Eu sorri.

Não porque achei graça.

Porque meu pau deu um estalo dentro da bermuda, duro do nada, latejando contra o tecido, e eu senti aquele calor subindo pelo saco até o cu, como se o corpo inteiro tivesse entendido antes da cabeça que aquilo era exatamente o que eu queria a vida inteira.