Capítulo 3
Hoje, anos depois, eu olho pra trás e dou risada de mim mesmo: como eu era burro pra caralho. Eu ficava repetindo na cabeça “sou só safado, só safado”, como se aquilo explicasse tudo. Safado uma porra. A Barbara me dava tesão, sim, mas nunca era aquela vontade louca de comer ela, de rasgar a roupa e meter até o talo. Com nenhuma namorada foi assim, na real.
Deixa essa porra pra lá.
Aquela semana voou. Não tentei enfiar nada no cu de novo, sei lá, travou na mente. Rotina normal: acordava cedo, pegava onda na praia vazia, bem cedinho, corria na orla, almoçava em casa, batia uma bolinha com os amigos, às vezes dava um pulo na empresa do velho pra resolver papelada rápida. Vida de rei, todo mundo invejando como sempre.
A Barbara, não veio essa semana, primeiro por causa da briga e depois por conta da faculdade dela que apertou com um negocio do estágio dela. Mas mesmo assim, a gente se falou direto, ela tava empolgada demais. Mandava vídeo atrás de vídeo: cara gemendo com plug, outro levando língua, outro sentando devagar num pau grosso. Eu abria escondido, pau duro na hora e punheta atrás de punheta, gozava em dois minutos, limpava rápido e fingia que era só curiosidade. Mas o medo era gigante: e se ela percebesse que eu tava gostando demais? Que não era só pra salvar o namoro? Que eu era viado de verdade?
Enquanto a sexta não chegava, uma noite criei conta num app de viado. Perfil sem foto, nome falso. Em dez minutos já tinha trinta mensagens: “manda nudes”, “quer foder hoje?”, “mostra o cu”. Aquilo me deixou muito assustado. Apaguei tudo, medo de alguém me reconhecer e de vazar print.
No dia seguinte à noite do app, fui parar num point que eu sabia que era gay, uma praia do lado, fim de tarde, sol caindo. Fiquei só olhando, de longe. Eu não queria pegar ninguém, queria só, sei lá, estar perto e entender o universo. Tinha uns caras mais velhos, outros novos, todo mundo de boa. Um deles veio falar comigo, bonito, corpo malhado, sorriso fácil. Conversou normal, sem forçar, mas quando encostou de leve no meu braço eu travei total. O corpo gelou, a raiva subiu, dei um passo pra trás já armando um soco.
— Calma, brother, só tô sendo gente boa — ele falou, já sacando que eu era um homofóbico, e vazou sem nem olhar pra trás.
Fiquei ali plantado na areia ainda quente do fim de tarde, o vento batendo na cara, o coração socando o peito como se quisesse fugir. Porra, Leonardo, pra que caralho você veio aqui? Pra olhar de longe? Pra sentir o cheiro de homem suado e depois correr? Odiava eu mesmo, odiava aquela raiva que subia quando alguém encostava perto demais, odiava o pau que ainda tava meio duro dentro da sunga só de lembrar do sorriso dele.
Fui pra casa com o corpo pesado, a cabeça rodando, a sunga ainda grudando na virilha de nervoso.
Sexta chegou e eu nem saí. Fiquei trancado dentro de casa o dia inteiro, andando de um lado pro outro, olhando pro relógio, imaginando que ela ia chegar do estágio cansada, ia querer sair pra jantar ou pra balada e o lance ia ficar pro sábado, como sempre. Chuva fina caindo sem parar, o mar cinza, a rua de frente pra praia completamente morta, só o barulho da água batendo no vidro e no telhado.
Pra passar o tempo, fiquei na varanda coberta olhando a casa do lado. Finalmente os novos vizinhos tavam se mudando. A casa era antiga pra caralho, uma das primeiras da rua, mas tinha sido reformada inteira: fachada branca limpa, portas e janelas novas de madeira clara, jardim na frente com grama verdinha, piscina pequena aparecendo lá no fundo. Ficou bonita, moderna, mas ainda menor que a nossa.
Não tinha caminhão de mudança, só um SUV preto parado na garagem aberta, porta-malas escancarado. Eles tavam descarregando na chuva fina: caixas de papelão encharcadas, malas de roupa, colchão inflável, travesseiros, coisas pessoais. Parecia que iam dormir ali mesmo, na casa vazia, esperando o caminhão de verdade chegar amanhã ou depois.
Eu fiquei olhando da varanda todo o trabalho. Uma mulher mais velha, cabelo curto, corpo magro, e um cara bem mais novo que eu, talvez uns 18, 19 no máximo, alto, corpo de quem nunca viu uma academia, cabelo molhado colado na testa, camiseta branca grudada no peito por causa da chuva. Ele carregava as caixas mais pesadas parecendo que ia morrer. Reclamava feito um caralho do esforço, que nem era tão grande.
— Porra, vão dormir na casa sem nada? — pensei alto. — Será que ligaram luz, água, internet?
Fiquei mais um tempo olhando, sem querer admitir que minha curiosidade era só sobre o garoto. Faltava uma hora, talvez duas pra Barbara chegar. Balancei a cabeça, xinguei baixo “vai se foder, Leonardo” e calcei os chinelos.
Vou ver se eles precisam de alguma coisa.
Desci pra rua, chuva fina ainda caindo, a rua vazia, só o barulho das ondas ao fundo. Me aproximei devagar até ver a mulher tentando puxar uma caixa pesada do porta-malas.
— E aí, tudo bem? Sou o vizinho — sorri daquele jeito educado que todo mundo acha bonito. — Leo.
— Ah, que bom, já vi que tenho vizinho gato! — ela desabou sentada no porta-malas, aproveitando pra descansar. — Mudar é um inferno, né?
— Imagino. Vocês vão dormir aqui hoje mesmo?
Meus olhos tavam grudados no portão aberto, esperando o garoto aparecer.
— Sim, amanhã à tarde chega o caminhão de vez. Meu marido tá lá na outra cidade carregando, eu e o Guilherme viemos na frente pra descarregar o básico.
— Guilherme? — repeti, só pra puxar assunto.
— Meu filho — ela sorriu — tá ali dentro…
E ele apareceu exatamente na hora.
O garoto era diferente de tudo que eu esperava: magro, pele muito branca, ombros estreitos, cintura fina, quadril arredondado que a calça jeans molhada marcava demais. Cabelo castanho liso caindo na testa, rosto delicado, quase feminino, olhos grandes, boca carnuda. A camiseta branca grudada no corpo mostrava um peito liso, sem pelo, mamilos rosados aparecendo. Ele se movia leve, jeito meio mole, mas sem exagerar, só… natural. Quando me viu, baixou o olhar rápido, como se ficasse tímido.
— Mãe, diz que acabou essas caixas? — voz baixa, quase musical, nada grossa.
Ela riu e apontou as duas que faltavam. Ele bufou baixinho, pegou uma com as duas mãos, corpo curvando bonito.
— E vocês têm tudo aí? Gás, água, luz, internet…? — perguntei, olhando fixo pra ele.
Ele ergueu os olhos pra mim por meio segundo, depois desviou de novo.
— Internet não… minha mãe esqueceu de agendar, aí fica pra semana que vem — falou rápido, voz suave, quase reclamando com vergonha.
A mãe corou. Eu sorri.
— Relaxa. Se precisarem de qualquer coisa bate lá em casa. O wifi pega forte até aqui. Libero a senha na hora.
— Nossa, Leonardo, você salvou nossa vida! — ela agradeceu, aliviada.
O Guilherme só murmurou um “obrigado” quase inaudível, cara vermelha, olhos no chão, e puxou a caixa pesada com as duas mãos finas, como se aquilo fosse o maior esforço do mundo.
— E aí, Guilherme, quando terminar a mudança a gente pega uma onda aqui, hein! — falei, tentando soar descontraído.
Ele ergueu o olhar rapidinho, tímido pra caralho, e soltou:
— Eu tenho medo de entrar na água…
Foi na hora. Eu vi. A voz, o jeito de mexer as mãos, o quadril que balançava sem querer. Ele era muito viado. E aquilo me acertou no meio do peito como um soco.
A mãe riu, revirando os olhos.
— Leo, se você conseguir fazer esse menino sair de casa um dia, você é nosso salvador oficial. É só videogame e computador o dia inteiro!
— Ele vai curtir o pessoal aqui — insisti, olhando direto pra ele. — A gente joga vôlei mais pra baixo, futebol de areia, pega onda com a rapaziada. Vai gostar, né, Guilherme?
— Nossa, vou amar — ele respondeu, ironia escorrendo na voz, mas os olhos baixos, quase envergonhado.
— Beleza, vou nessa então. Minha namorada tá chegando. Prazer conhecer vocês.
Acenei, dei meia-volta e saí andando devagar, mas a cabeça não acompanhava o corpo.
Porra, Leonardo.
Porra.
Cheguei em casa com o pau duro doendo dentro do short, a Barbara a caminho, e eu pensando no viadinho do lado o tempo inteiro.
Que merda eu tava virando.

