Capítulo 7

Eu tinha um plano curtinho e sujo, e funcionava na cabeça como esqueminha de aula. Ia pedir pro Guiga ficar depois do evento fingindo que precisava de ajuda com qualquer merda da faculdade. A ideia era simples: me aproximar comportada, virar safada nos detalhes. Um peitinho à mostra na hora do papo. Um afago de perna que vira convite. Ficar de quatro só pra ele ver a curva. Coisas que parecem quase banais, mas que desmontam o homem no tempo certo. Se ele fizesse questão, eu levava ele pra casa. Armadilha montada.

Gio riu alto quando contei, gostando mais do teatro do que do plano em si. — Vai dar certo, mulher — disse, com aquele sorriso que mistura orgulho e maldade. Prometeu colar pilha nele, enrolar o Guiga até ele achar que era ideia própria. Eu vi na cara dela que a parte boa era a execução: o jogo, a espera, o momento em que a presa não sabe mais se é presa ou prêmio.

No fundo eu sabia que aquilo era mais cena do que verdade. O plano era menos sobre transar e mais sobre provar que eu podia. Prova era prova. Gio seria a diretora do golpe.

— Meu deus, o bicho tem muita sorte — ela riu, olhando pela janela. — E o pior é que ele deve estar lá embaixo sem imaginar o que vai acontecer com ele… dá até pena.

Eu quis rir, mas senti um nó no estômago. Não era só zoeira pra mim. Eu estava juntando muita coragem para encarar ele.

— Porra, por que tu não testa isso com mulher? Eu já tô aqui pronta — cutucou ela

— Já falei que não vou deixar tu me chupar — retruquei.

—Eu te chupo então, se o problema for esse, tá resolvido.

Eu ignorei.

Descemos a escada devagar, cruzamos a cozinha e saímos pro jardim da piscina. A tarde estava morna. O som da festa lá embaixo chegava como um pano de fundo distante.

Ele tava sozinho no gazebo, luz amarelada batendo no suor dele e fazendo o brilho parecer óleo de motor. Feio, coitado. E pior: não se cuidava. O desodorante tinha entrado em greve, a camiseta colada no peito úmido, a barba sem aparo e despenteada. Respirei fundo. “Se eu não tiver coragem de dar pra ele, pelo menos eu passo em Direito Constitucional ”, pensei, e fui.

— Guiguiiiii — cheguei por trás, abraçando o pescoço dele, voz manhosa.

— Já sei que vai me pedir algo! — ele riu, girando pra me encarar. Eu não recuei. Se quisesse me beijar, bastava ele avançar uns cinco centímetros. — Pelo jeitinho… tá bem necessitada.

— Para — sorri curto. — Seguinte: eu tô fodida em Constitucional. Me ajuda hoje depois do churrasco?

Ele fez aquela cara de cálculo lento. Olhou pro lado, olhou pra mim, estreitou o olho como quem sentia cheiro de golpe.

— Não dá. Hoje eu combinei de sair com um pessoal aí…

Puta merda. Eu precisava subir a dose. Girei pro lado dele e sentei no colo, sem cerimônia, o peso bem distribuído, meu biquíni roçando no jeans quente. Joguei o braço no ombro dele, deixei o peito roçar de leve no bíceps. O suor dele cheirava a sal e cerveja.

— Por favor… — fiz bico. — Eu te levo, te busco, pago teu Uber, escolhe.

Ele engoliu seco. Eu desci um beijo leve na bochecha, outro no canto da boca, uma trilha de “quase” que deixava o resto por conta da imaginação. Senti o corpo dele reagir, endurecendo sob mim, mas a cabeça manteve o freio.

— Vou ver aqui e te falo — murmurou, abrindo o celular, fuga clássica.

Levantei devagar, ajeitei o biquíni como quem fecha cortina depois do show e sorri feito quem não perdeu nada.

— Tá. Me chama.

Saí com o coração batendo no pescoço e a arte da sedução murcha na mão. O plano funcionava nos outros. Nele, parecia não colar. No fundo do jardim, a Gio me observava com os braços cruzados, rindo com os olhos. Foi só eu passar que ela foi fazer o ataque dela, a conversa como foi, ela me contou depois.

Gio chegou no gazebo com o sorriso de quem cheira fofoca de longe.

— Camarada Guigas, tu pegou mesmo a burguesinha? — cantou, baixinho e venenosa.

Ele deu uma risada sem graça, o sorriso torto de quem nem isso Deus caprichou.

— Quem me dera. Ela tava aqui toda… sei lá… se querendo. Esquisita. Achei que tava me dando mole, mas preferi pensar que tava só sendo legal. Eu não tenho a conta bancária que ela gosta.

Gio arregalou os olhos, indignada.

— Tu é muito burro, mané. Como homem consegue ser tão idiota? — dois tapas no peito dele, secos. — Tu não tá vendo?

Ele piscou, perdido.

— O quê?

— Tu é burro demais para ver o óbvio. — Gio chegou perto, dedo em riste. — Vou te dar o papo: ela tem um mau gosto do caralho pra homem.

— Tu tá maluca de achar que ela quer alguma coisa comigo, Gio — ele tentou encerrar. E, ali, ele tinha razão de duvidar. Eu quase ri.

Gio respirou fundo, encostou o indicador no próprio olho.

— Xuxu, olha aqui no olho da mamãe. Entre eu e você, quem é mais CDF? Eu, né? — pausa. — E quando ela precisou de ajuda, foi pedir a quem?

— …A mim.

— Isso. E tu ainda é burrinho, camarada. Todo mundo sabe que esse teu Direito tu não terminam vai jubilar — disse, doce como veneno.

Ele recolheu o que restava do orgulho e ela continuou a matança.

— Se liga: teu grande feito nessa universidade nem vai ser formar. Vai ser poder dizer que comeu a Fernanda. Agora para de ser burro.

Daí em diante eu já tava perto o bastante pra ver e ouvir tudo. Gio se afastou dois passos e soltou o grito pro jardim inteiro:

— Puta que pariu… a carne só cai no prato do vegano!

Pela cara da Gio, ela tinha conseguido. E eu, puta merda, estava um trapo por dentro. O churrasco seguia animado, mas pra mim o som já vinha abafado, tipo coração batendo dentro da cabeça. Cada risada parecia empurrar o relógio mais rápido.

Quando começou a escurecer, o pessoal que morava longe começou a ir embora. A cada “tchau”, o estômago afundava mais. Eu sabia o que vinha. Pra piorar, precisei dar uma sumida: um idiota resolveu achar que eu tava apaixonada e começou a me seguir com cara de novela mexicana. Nem fodendo que eu ia ficar com ele no meio da galera.

No fim, restamos nós: o grupo da Gio, ele e eu. Por volta das sete. O cheiro era de fim de churrasco. As meninas pegaram as bolsas, prontas pra ir. Gio veio com o time das amigas se despedir, voz leve, olhar pesado.

— Guigas, tu vai ficar estudando com a Fê, né?

— Vou sim — ele respondeu, com aquele sorriso de cachorro que sabe que o jantar vai ser servido.

Antes de sair, Gio me puxou pro canto. O tom mudou. O olhar dela era agudo, sem ironia.

— Tu não precisa fazer isso, tá? É burrice. Divertido, mas burrice.

Meu sangue gelou. Aquilo vindo dela — a Gio, que fazia piada até em velório — era alerta puro.

Elas cruzaram o portão rindo, e eu fiquei ali parada, tentando respirar. Quando me virei, ele tava atrás de mim. Sorrindo.

O ar pareceu sumir, mas o corpo foi no automático.

Respirei fundo. Fechei os olhos por um segundo, abri e forcei um sorriso.

— Vamos subir pro meu quarto?