Capítulo 13
Quando acordei, a luz do quarto estava meio filtrada pela cortina e o silêncio da casa parecia cúmplice. Manu ainda dormia, o rosto afundado no travesseiro, e eu… eu me sentia um cadáver suado de prazer. Minhas coxas grudavam uma na outra, minha bunda doía, e havia uma pressão esquisita no reto, como se eu tivesse tomado no cu de um jeito muito mal dado — embora eu soubesse que não era bem isso. Eu fedia a homem. A porra do cheiro dele ainda impregnado em mim, aquela murrinha nojenta que se mistura com suor e sêmen.
Me levantei devagar, andando como quem tinha levado uma surra, e fui direto pro banheiro. Peguei uma toalha do armário, pendurei no gancho e deixei o celular carregando na pia, enquanto a água esquentava. Precisava lavar a alma, o corpo e os pecados da noite anterior.
Dentro do box, enquanto a água escorria quente pelas costas, senti uma pontada incômoda de culpa — mas logo afastei. Junior. Ele devia estar surtando. Mas quer saber? Foda-se. Toda hora eu esquecia que eu não devia mais nada pra ele. A gente não tava junto. Ele era meu ex. E mesmo assim… algo em mim ainda queria ser gentil. Não por ele. Por mim. Porque sumir sem avisar, mesmo que não devesse satisfação, ainda soava como descaso. Eu não queria ser essa mulher. Mesmo que, talvez, eu já fosse.
Quando voltei pro quarto, peguei o celular com os dedos ainda molhados e destravei a tela. A notificação de carga completa me encarava como se dissesse: “pronta pra ver merda?” E eu vi. Vi tudo. Um histórico de vídeos enviados. Meu estômago afundou.
Três. Quatro. Cinco vídeos. Todos da noite passada. De mim. Transando. Com o cara.
Travei. Um gelo percorreu minha espinha como se alguém tivesse jogado uma jarra d’água na minha alma. Meu peito parou por um segundo, depois acelerou como um alarme disparando.
“Mas o que caralhos eu fiz?”
Meus dedos deslizaram pelas miniaturas das gravações — e lá estava eu. De quatro. De lado. Montada nele. Gemendo como uma puta filmada pra site pornô. E tudo isso… enviado pro Junior. Um por um.
— Meu Deus… — sussurrei pra mim mesma, o coração disparado.
Minha mente girava entre dois pensamentos: “Que porra você fez?” e “Que merda, porra, que merdaaaa!” Mas aí, como quem vira a chave, um instinto se acendeu dentro de mim. Uma mistura de negação, autodefesa e pura raiva. Respirei fundo e sussurrei em voz baixa, com um riso seco, quase cínico:
— Foda-se… foda-se. Quer espalhar? Espalha. Que se foda.
A verdade é que a ideia dele compartilhar aquilo pela internet inteira me assustava, claro. Mas havia algo de libertador naquela vulnerabilidade. Eu estava nua, crua, despida de moral ou disfarce. Não tinha mais nada a perder.
Me encostei na parede, ainda com o celular na mão, o corpo inteiro suado de angústia e calor. “Sou burra pra caralho”, pensei. “Mas burra consciente.” E isso, de alguma forma doentia, me acalmava.
Tirei minhas roupas, entrei no chuveiro e deixei a água cair, para me lavar da noite passada, a ;agua gelada era revigorante escorrendo pelo meu corpo. Ouvi a porta abrir devagar. Manu entrou arrastando os pés, ainda meio torta de sono. A calcinha no meio das coxas, os cabelos desgrenhados. Sentou-se no vaso com a cabeça afundada nas mãos e começou a murmurar algo que eu não entendi.
— Manu… tá acordada?
— Cala a boca e não fala comigo enquanto eu não tomar café. — A voz dela saiu abafada, arranhada, com uma raiva sem filtro. — Porra, são oito da manhã. Por que cê acordou tão cedo?
— Eu tenho que ir embora, amore. Eu tenho casa. E tem o Jun…
— Que Junior, porra. — Ela me interrompeu com um corte seco, a voz mais áspera do que eu tava pronta pra ouvir. — Tu terminou com ele e mandou um monte de vídeo dando pra outro cara agora.
Fiquei em silêncio por dois segundos. Doeu. Mas ela tava certa. E não era como se eu tivesse muito o que argumentar.
— Eu sei. E eu vou resolver isso logo.
Manu ainda soltou uns dez palavrões enquanto esvaziava a bexiga, reclamando de tudo: da dor de cabeça, da luz acesa, da minha voz, da vida. Depois levantou, puxou a calcinha com um suspiro de nojo, e voltou pra cama sem olhar pra mim. Tenho quase certeza que ela não vai lembrar de nada do que disse. O tom, talvez. As palavras, duvido.
Saí do banho, me sequei com pressa e vesti as roupas do dia anterior, que estavam jogadas em cima da cadeira. Ainda tinham o cheiro da noite. Quando fui pra cozinha pegar minha bolsa, vi — por acaso — minha calcinha estendida no varal de chão. Ainda úmida.
Manu devia ter lavado pra mim antes de eu apagar.
Fiquei parada olhando por um segundo. Aquilo me deu um nó na garganta que eu não entendi. Peguei a peça com cuidado, como se ela fosse de outra pessoa, e a vesti mesmo molhada. Era desconfortável, mas não pior do que ir sem nada.
Comi uns biscoitos que estavam na mesa. Fiz café e deixei na garrafa, mais por ela do que por mim. Quando finalmente achei que estava pronta, fechei a porta devagar e saí, com o celular no bolso e o peso do dia inteiro me esperando lá fora.
Quando cheguei em casa, empurrei a porta com cuidado, como se quisesse entrar sem ser notada. A sala estava limpa, organizada, o sofá alinhado, os objetos no lugar. Fui até o banheiro, depois à cozinha — tudo limpo e com cheiro de desinfetante. E eu não tinha chamado ninguém. Nenhuma faxineira. Nenhuma mãe.
Só podia ter sido o Junior.
Fiquei parada no meio da cozinha com a bolsa ainda pendurada no ombro, tentando entender que tipo de raiva é essa que faz um homem limpar uma casa inteira. Raiva passiva? Raiva piedosa? Ou só uma culpa que ele não sabia onde enfiar?
Fui até o quarto sem fazer barulho. Junior ainda dormia, o corpo virado pro lado, a cara amassada no travesseiro como se nada tivesse acontecido. Como se nada tivesse sido mandado pra ele.
Voltei pra sala e sentei no braço do sofá, meio tonta. Pensava no que tinha feito. Nos vídeos. No rosto dele vendo aquilo. No tipo de homem que limpa a casa inteira depois de ver a mulher dando pra outro. O Junior que eu conhecia me xingaria. O Junior de agora me deixava no vácuo e… passava aspirador?
Lembrei da imagem que ele mandou e abri a foto novamente. Era a rola dele. Ele sempre teve uma rola bonita, proporcional, com uma veia que subia pela lateral. Pena que nunca aparava os pentelhos. A gente já brigou por isso mais de uma vez, mas ele nunca se cuidava direito.
Eu olhei pro celular. Mas o que aquilo significava?
Enquanto eu me perdia nesse tipo de pensamento que não leva pra lugar nenhum, ele acordou. Passou por mim na sala com a cara amassada, o cabelo bagunçado, calado.
— Bom dia, quer café? — ele disse, já andando em direção à cozinha.
— Não, eu já tomei. Bom dia — respondi.
E foi só isso.
Sem briga.
Sem pergunta.
Sem cena.
E eu fiquei ali, sem saber que tipo de purgatório eu estava. Aquilo precisava ser resolvido.
— Junior, vem aqui pra gente conversar.
— Já vou! Só um minuto.
Ele apareceu no umbral da cozinha, ainda bocejando, o rosto amassado e a camiseta torta.
— Você quer conversar comigo?
— Quero. Não sei bem como começar, mas… a gente precisa falar sobre isso.
Ele me olhou como se estivesse esperando uma acusação ou uma briga. Mas eu não tinha nenhuma das duas prontas. Só perguntas mal feitas.
— Mas você tá chateado comigo?
— Não. Tô não…
— Você não tá puto de eu ter mandado os vídeos?
— Não. Eu gostei.
— Gostou?
— Gostei, gostando. Sei lá… de repente era um fetiche que eu tinha e nunca me dei conta. Me deu tesão. Não sei.
— Você não ficou com ciúmes?
— Sim. Um pouco. Mas gostei.
Ele falava sério. Não tinha ironia na voz, nem sorriso. E isso, de alguma forma, me confundia mais do que qualquer grito ou ofensa. Fiquei olhando pra ele tentando entender se aquilo era verdade ou só uma forma calculada de me negar o poder de ter quebrado alguma coisa dentro dele.
— Você quer me perguntar alguma coisa ou vai continuar fingindo que tá tudo bem? Vai seguir no modo monossilábico?
— Você quer que eu pergunte, mas não quer responder. Então… pra quê?
— Pergunta logo, Junior.
— Com quem você tava?
— Você não conhece. Era um cara que eu conheci no bar ontem. Aconteceu. Eu nem planejei. Simplesmente… rolou.
Ele ficou em silêncio por um segundo, mas não parecia surpreso. Só… frio.
— E a outra pessoa?
Minha espinha gelou. O sangue pareceu subir e descer ao mesmo tempo. Como ele sabia? Eu não tinha falado. Não tinha deixado pista. Ou será que deixei? Será que reagi demais?
— Sim… tinha outra pessoa. O vídeo foi filmado por ela.
Ele coçou os olhos com os dedos, numa calma assustadora. Uma calma de quem planeja devagar.
— Era uma mulher.
— Quem?
— Eu não posso falar, Junior. Você conhece ela…
— Tudo bem, eu sei que é a Manu. Não sou burro. Você saiu com ela e eu ouvi a voz dela no fundo do vídeo. Ela ri, depois fala alguma coisa. Eu conheço a risada dela.
Fiquei sem reação. Só assenti.
— Sim… é a Manu. Mas ninguém tem que saber disso. Tá? Ninguém.
— Não sabia que você pegava mulher também. Gostei de saber. Pena que a gente não tem mais nada.
Ele disse aquilo com uma neutralidade que me deu um soco no estômago. Eu ri. Não devia. Mas ri.
— Sim, Junior. Eu lembro bem do quanto você insistiu naquele papo de ménage. Anos atrás. Eu nunca quis. Mas as coisas mudam. E aconteceu.
— Me perdoa pelas fotos, tá? Eu não pensei direito…
— Não. Eu gostei. Fiquei com vontade de ver tudo. — ele disse, com os olhos meio turvos, meio fugindo dos meus. — Tem algum que você não mandou?
Eu franzi a testa, não acreditando.
— Algum o quê, Junior? Do que você tá falando? Cara?! Tu tá doido?
Ele hesitou. Respirou fundo. Baixou o olhar.
— Eu gostei de me sentir corno. Só isso.
A frase caiu entre nós como uma pedra.
— Eu sei que a gente não tem mais nada. Mas eu gostei. Quis ver você dando. Fiquei excitado. Achei que ia me machucar, mas… não. Eu gozei vendo.
Fiquei ali, parada, sem saber se sentia pena, raiva, medo ou tesão. Talvez tudo ao mesmo tempo.
E o pior: parte de mim entendia.
E gostava.