Capítulo 19

Eu teria continuado fácil. Mas ali… era foda. Com o Fernando querendo me foder o tempo todo — e não do jeito bom — eu não podia dar muito mole. Até tentei avançar, mas foi a Manu quem me cortou. Me deu um esporro merecido, com aquele jeitinho safado e firme que só ela tem.

Saímos da sala como duas profissionais exemplares. Ela foi direto pro banheiro, e eu fui pro corredor, fingir que falava no telefone. A estratégia era simples: deixar a Manu se livrar do cheiro do crime enquanto eu distraía os abutres, eu poderia esperar mais um pouco. Porque, na cabeça deles, sair de uma sala trancada e ir direto fazer uma ligação no corredor… signifcaria algo que nós estariamos profissionalmente fazendo pelas costas deles.

E claro… quem apareceu? A Clara. Sonsa, falsa, curiosa. Veio no sapatinho, como quem “só estava passando”, e me pegou ali, falando no telefone — ou fingindo muito bem que estava.

Deu certo.

Na cabeça deles, eu tinha acabado de esconder um cadáver. Ou fechado algum contrato secreto com a presidência. Eles iam passar a semana inteira tentando entender o que aquilo significava.

E enquanto isso… eu sentia algo no meio das minhas pernas gritar.

Quando o expediente acabou, fui direto pra casa. Manu tinha aula e eu ainda precisava encarar o Junior. Ao entrar, o cheiro de comida quente já tomava conta do ar. A casa não estava exatamente arrumada, mas pelo menos não parecia um caos completo. Alguma coisa ele tinha ajeitado da limpeza ao menos e janta estava pronta.

Isso eu sempre reconheci nele: o Junior sabia cozinhar. E sabia bem. Era o tipo de coisa que ele fazia com capricho, e ele não me deixa cozinhar, fazia questão de fazer tudo.

Joguei os sapatos pro lado, calcei os chinelos e fui direto pro sofá. A casa cheirava à carne assada, alho, tempero bem feito — o tipo de coisa que grudava nas paredes e deixava tudo com cara de domingo. A bagunça estava moderada. O mínimo ele tinha feito. E cozinhar, eu nunca poderia negar: ele fazia bem. Era o tipo de cuidado mudo que ele ainda oferecia, mesmo quando a gente já não sabia mais como conversar.

Me afundei no sofá e comecei a passar pelos canais sem ver nada. Só o barulho das vozes mudando, a luz piscando na tela, e eu tentando distrair a cabeça. Ele passou por mim vindo do quarto, camiseta amassada, cara de quem passou o dia inteiro no jogo.

— Oi. Tudo bem? — perguntou, sem parar.

— Tudo… — respondi sem virar o rosto. E completei, num tom neutro: — E você?

— Uhum. Fiz carne assada.

— Eu sei. O cheiro tá na casa inteira. Não tinha como você esconder isso de mim.

Ele deu um meio sorriso, quase imperceptível, e foi pegar os pratos. Sentamos no sofá, cada um com sua comida no colo, televisão ligada em algum programa qualquer. A gente comia e mastigava num silêncio que era confortável demais pra dois estranhos e desconfortável demais pra um casal.

Eu não queria abrir conversa nenhuma. Mas o silêncio me pressionava de um jeito insuportável. Foi um impulso, uma palavra engasgada que saltou sem permissão:

— Eu vou encontrar com ele essa semana… tudo bem?

Ele não respondeu na hora. Continuou mastigando. Olhou pra tela como se tivesse perdido o interesse no que via, mas não tinha coragem de olhar pra mim.

— Tudo. — disse, por fim. — E quando vai ser?

— Talvez amanhã… ou quarta. Preciso ver com ele primeiro.

Ele assentiu com a cabeça, sem tirar os olhos da televisão. Mexeu o garfo no prato, como se aquilo fosse só mais uma informação de logística. Mas eu via o jeito que os ombros dele enrijeceram. O silêncio mudou de peso. Ficou mais espesso.

Eu continuei comendo, fingindo naturalidade. Como se aquela frase não tivesse me atravessado. Como se não doesse dizer em voz alta. Como se não doesse mais ainda ouvir a resposta dele — aquela indiferença disfarçada de aceitação.

Mas então, ele soltou:

— Por que não traz ele aqui?

A pergunta veio seca, direta, mas carregada de alguma coisa que eu não soube nomear na hora. Levantei os olhos pra ele, desconfiada.

— Porra, Junior… nada a ver.

— Você acha que eu ia empatar tua foda?

— Não é isso. — respirei fundo. — É que ele não vai querer, né?

Silêncio.

— Ver, seria do caralho. — ele disse, como se estivesse falando de um clipe novo, não de mim dando pra outro cara na frente dele.

Parei de comer. Larguei o prato no braço do sofá e encarei.

— É… seria. Mas ele não vai vir aqui. — Meu tom era de ironia.

Ele deu de ombros, como se não fosse nada demais.

— Pergunta pra ele se quer.

— Não, Junior. — falei firme, voltando a me encostar — Isso seria esquisito demais.

Ele terminou de comer, pegou meu prato sem dizer nada e foi até a cozinha. Eu sabia que, se eu não lavasse depois, aquele prato só veria água no dia seguinte, quando eu voltasse pra casa do trabalho. Então, pra não me irritar comigo mesma, fui direto pro banheiro.

No chuveiro, a água quente escorria pelas costas enquanto minha cabeça girava em círculos. A ideia do Junior me assistindo não saía da minha mente. Como seria? Transar sabendo que ele tava ali, parado, só olhando? Eu ficaria com vergonha, com certeza. Muita. Era diferente de estar com a Manu, porque a Manu tava no meio comigo, no calor, no toque. Ela era parte. Ele… seria só os olhos. E mesmo assim, aquilo me dava um arrepio.

Era o Junior. Meu marido. Ou ex. Sei lá. A gente ainda dividia o teto, o banheiro. Ainda dividia aquele tipo de carinho que não se nomeia mais, mas ainda tá ali. E por isso mesmo… era estranho. E ao mesmo tempo, tão estranhamente excitante.

“E se de repente… eu desse pros dois?”

A pergunta bateu seca no meio do meu pensamento. A mão parou de esfregar o sabonete no corpo. Eu fiquei imóvel, encarando o azulejo da parede como se ele fosse responder.

“Imagina…”

Um de cada lado. Os dois me olhando, me tocando, me querendo. Junior deitado, assistindo de perto, com aquela cara de fome contida. O outro me pegando por trás, firme, enquanto eu sentava com o peito arfando, os gemidos engasgando na garganta. E a Manu… talvez ali também. Talvez vendo. Talvez comandando. Eu de quatro, sendo aberta, usada, gemendo alto sem vergonha, com todos os olhos em mim.

Eu seria a maior vadia da face da terra. Sem dúvida. Mas… e daí?

Só de pensar meu corpo reagia. A água quente disfarçava, mas eu sabia. O peito já doía de vontade, o ventre pulsava. A buceta latejava, mesmo sem toque. Eu passei a mão por ela, só de leve, e senti como estava molhada. Quente. Escorrendo.

Eu chacoalhei a cabeça, dei uns tapas querendo tirar o pensamento a força, me ennxaguei e sai do banho buscando uma toalha ao me enrolei e peguei o celular e fiz uma ligação.

Vocês sabem pra quem.

Chamei. Ele atendeu no segundo toque.

— Tudo bem?

A voz dele veio rápida, direta. Parecia que estava me esperando.

— Oi. Não ia deixar passar a segunda?

A pergunta foi uma alfinetada disfarçada. Ele sabia. Tinha percebido meu desespero. Percebido que eu queria. Que eu não tinha conseguido esperar tanto quanto prometi.

— A segunda já acabou, amigo. São quase nove da noite! — respondi com um sorrisinho debochado — Eu sou uma mulher organizada.

Ele riu baixo, e no tom já dava pra sentir o clima querendo virar.

— Então… quando eu te vejo? Amanhã?

— Amanhã? — repeti, fazendo uma pausa dramática, como se realmente estivesse consultando uma agenda lotada. — Amanhã eu não tenho nenhum compromisso.

— Amanhã eu posso. Mas… vamos pra onde?

E aí veio a parte chata. Eu ainda morava com o Junior. E, por mais que a coisa estivesse acabando, aparecer por aí com outro cara ainda era… complicado.

— Não sei. — disse, como quem joga uma provocação — Deixo isso com você.

Parei por um segundo, só pra sentir a tensão no silêncio. E, pra deixar tudo ainda mais claro, disparei com a voz baixa, carregada de segunda intenção:

— Sua casa, talvez?

— Eu tenho gente morando comigo… — ele respondeu com aquele tom rindo por dentro — Se você não fosse tão barulhenta…

— Aqui em casa tem meu marido. Quer vir? — soltei, como quem atira uma isca. Eu não queria que ele viesse de verdade, ainda não. Queria ver o que ele diria.

— Olha… eu até iria. Mas… não é meio cedo pra isso? Ia ser meio estranho, né?

— Muito. Muito mesmo. — respondi, deixando a frase flutuar um pouco no ar. — Mas acredita que foi ele quem sugeriu? Disse claramente que você podia vir.

Silêncio. Um daqueles que estalam do outro lado da linha.

— Pera… — ele disse, devagar — Você tá me propondo outro ménage, mas com seu marido?

— Não! Pelo amor de Deus, não! — respondi na hora, rindo, mas sentindo o coração apertar.

— Tá bom… — ele riu também. — Mas, se fosse isso, só precisava deixar claro. Aí eu pensava direitinho e me preparava psicologicamente.

— Ridículo. — falei, mas com o sorriso escancarado na voz.

E no fundo… o mais estranho era que aquela conversa toda, doida e torta, me deixava ainda mais molhada.

— A gente pega um motel, come alguma coisinha em algum lugar… e parte pra lá — ele sugeriu, como se fosse o plano mais natural do mundo.

— Meu Deus… você deve estar achando que eu sou muito puta, né?

— Olha… vou ser honesto. — ele deu uma risada leve antes de continuar — Se eu não tivesse conversado contigo e com a Manu, talvez eu achasse. Mas agora… a situação tá bem clara pra mim.

— Clara? — repeti, meio sem acreditar. — Porque, sinceramente… pra mim, não tem nada claro.

— É que… do jeito que eu vejo, você teve uma liberdade. Um espaço. A chance de experimentar. E as coisas começaram a acontecer rápido. Só isso. Aproveita.

— Aproveita… — murmurei, com um sorriso enviesado na voz. — Aproveitar… principalmente se for com você, né, safado?

— Exatamente isso. — ele respondeu, com aquela risadinha cretina que me dava raiva… e tesão.

E eu, do outro lado, já sentia as pernas apertadas, tentando conter o óbvio: a porra do tesão de novo.

Estava marcado.