Capítulo 5#

Fechei a tampa do laptop e olhei para Juju. O brilho azul da tela ainda piscava na penumbra da sala, refletindo na pele dela, quase nua, apenas com a calcinha preta fina e seios à mostra. Meu coração ainda batia acelerado, não pelo que eu tinha acabado de fazer na live, mas pelo silêncio dela. Um silêncio tenso, pesado. Eu não sabia se ia levar um esporro ou se ela estava esperando eu falar primeiro. Minha cabeça girava. Eu não tinha feito nada de errado. Ela queria que eu entrasse nesse negócio com ela, mas eu não queria. E agora esse clima estava me sufocando.

— Juju, fala alguma coisa — minha voz saiu baixa, irritada.

Ela não disse nada. Só estendeu o celular para mim.

Havia demorado tempo demais no banheiro, e agora eu entendia o motivo. Enquanto eu segurava a live sozinha, ela trocava mensagens com nossa tia – aquela que nunca quis ficar com a gente. O texto curto na tela me acertou como um soco.

“Teu pai teve um AVC hemorrágico. Tá internado. O estado é grave.”

O chão pareceu sumir debaixo dos meus pés.

Sempre fui a filha amada, mas Juju… Juju era a favorita. Ele queria um filho homem e, de alguma forma, projetava isso nela. Agora, ali, em pé, ainda seminua, ela parecia uma estátua – o olhar vazio, os lábios entreabertos, a respiração curta.

— Juliette, fica tranquila. Eu vou saber o que aconteceu.

Ela não se moveu. Continuou parada, a expressão congelada, como se seu cérebro tivesse travado. Eu sabia que ela não sabia lidar com coisas assim.

Eu, por outro lado, sabia.

Coloquei minha blusa e peguei o celular para procurar o endereço do hospital. Se ela não conseguia reagir, eu ia arrastar ela comigo. A live tinha acabado para nós duas por hoje.

Chamamos um Uber e seguimos em silêncio. No caminho, Juju olhava pela janela, perdida, mas sem demonstrar nenhuma emoção real. O hospital era frio, iluminado demais, com aquele cheiro forte de desinfetante e café velho misturado no ar. Assim que chegamos, ela se afastou sem dizer nada e foi direto para uma máquina de doces, batendo nos botões como se aquilo fosse a coisa mais importante do mundo.

Enquanto isso, eu fazia a ficha, assinava papéis, tentava entender o que estava acontecendo. Depois de uma longa espera, um médico jovem nos chamou para o consultório. Ele tinha aquele tom ensaiado de quem já deu notícias ruins muitas vezes.

— Seu pai teve um AVC hemorrágico severo. Conseguimos estabilizar, mas ele perdeu parcialmente os movimentos do lado esquerdo. O caso dele exige cirurgia e um longo período de reabilitação.

Eu assenti, absorvendo tudo com a seriedade que a situação pedia. Já Juju… bem, Juju não parecia estar absorvendo nada. Na verdade, ela estava ocupada trocando olhares com o médico, aquele sorrisinho malandro brincando nos lábios.

— Juliette! Sério? — rebati, incrédula.

Ela piscou, fingindo inocência.

— O que foi?

O médico disfarçou, mas claramente estava correspondendo. Meu sangue ferveu. Eu levantei da cadeira e saí do consultório antes que fizesse um escândalo.

Assim que pisei no corredor, uma mulher de uniforme social se aproximou. Era do financeiro, pelo jeito. Seu tom era educado, mas firme.

— Podemos conversar um instante?

Segui até a sala dela e sentei de frente para a mesa, sem nem imaginar o peso da conversa que viria. Ela abriu um arquivo no computador e me mostrou os números.

— Até agora, só o atendimento de emergência gerou um custo de R16mil.AcirurgiaqueeleprecisafazervaiultrapassarosR16 mil. A cirurgia que ele precisa fazer vai ultrapassar os R 80 mil, sem contar a internação e os custos com medicação e reabilitação. No melhor cenário, o total deve ficar em torno de R$ 120 mil mais medicação e extras.

Meus dedos apertaram os braços da cadeira. Eu engoli em seco.

— Senhora, eu… eu não posso pagar por isso!

Ela manteve a calma e começou a me explicar uma série de opções. Algumas despesas podiam virar dívida no cartão do meu pai, mas o ideal seria transferi-lo para um hospital público o quanto antes. Ele não tinha plano de saúde, apenas um seguro que cobria o atendimento inicial, mas nem chegava perto do necessário para todo o tratamento.

Eu senti o peso da realidade desabar sobre mim. 120 mil. De onde eu ia tirar isso?

Mover meu pai para um hospital público poderia condená-lo à morte ou à invalidez. Ele sempre foi um homem ativo, cheio de energia, e a ideia de vê-lo preso a uma cama, dependendo dos outros para tudo, me dava um nó no estômago. Eu não podia deixar isso acontecer.

A gente ainda recebia dinheiro dele, então ele devia ter algo guardado. Mas teria o suficiente? Minha tia e minha avó viviam de uma pensão miserável, não tinham como ajudar. No fundo, eu já sabia a resposta, mas precisava tentar.

Peguei Juliette, que ainda parecia desconectada da realidade, e enfiei ela no carro. O dia seguinte seria dedicado a uma única missão: conseguir dinheiro.

Era segunda-feira. No meio das pausas do trabalho, conversei com o dentista que era meu chefe e, dali mesmo, liguei para uma e para outra.

Minha tia foi direta:

— Eu só tenho R$ 10 mil guardados. Não dá pra mais do que isso.

Minha avó, coitada, nem isso tinha. E ainda coube a mim dar a notícia para ela.

A tarde, fui dispensada do trabalho para ficar com meu pai no quarto de enfermaria onde ele estava. Ele não reagia a estímulo nenhum. Parecia um corpo preso ali, respirando, mas vazio. A angústia era sufocante.

Eu encarava aquela cena devastadora diante dos meus olhos e sentia o peso sufocante da impotência. A falta de dinheiro sempre pareceu um problema distante, mas agora estava ali, esmagando minha garganta, queimando meu peito como fogo. Queria gritar, chorar, fugir daquela realidade que me consumia por dentro, mas tudo o que consegui foi prender as lágrimas com toda força, enquanto meus olhos ardiam e minha respiração falhava.

Meu pai estava doente, talvez não voltasse a trabalhar. Se ele ficasse acamado, eu e minha avó estaríamos sozinhas. Ela não tinha estrutura para cuidar dele, e eu não teria como manter nosso apartamento apenas com meu salário de recepcionista em uma clínica odontológica. Era pouco demais para cobrir tanta responsabilidade. O desespero me arrastava como correnteza para o único caminho que parecia possível naquele momento. Era inevitável, o destino me empurrava claramente para aquela solução proibida, perigosa, mas absurdamente tentadora.

Respirei fundo, sentindo a adrenalina percorrer meu corpo, antes de pegar o celular e discar o número com as mãos trêmulas. Não tinha mais tempo para dúvidas.

— Irmã? Oi…

— Oi, Ju, tá tudo bem?

Nem dei espaço para mais perguntas. Minhas palavras saíram firmes, com uma certeza que eu mesma não sabia que tinha.

— Liga pra Patricia. Agita com ela o negócio porque precisamos fazer começar nessa parada juntas e ganhar uma grana alta.

Desliguei sem esperar resposta. Meu coração batia rápido, descontrolado, e eu sentia um frio estranho na barriga. O que eu estava fazendo? Minha irmã já aceitava esse mundo, já tinha dado o primeiro passo, e talvez agora fosse minha vez. Talvez fosse a única chance de salvar meu pai, de não deixar que tudo ao meu redor desmoronasse.

Por um instante, a moralidade tentou gritar dentro de mim, argumentar novamente que aquilo era errado, que poderia destruir nossa reputação, nossa dignidade, nossa família. Mas minha consciência estava exausta, cansada de lutar. Precisava agir, não pensar. Estava decidida. Nada seria pior do que ver meu pai definhando sem poder ajudá-lo, ou me ver perdendo o pouco que tinha construído.

Desliguei o telefone sem esperar pela resposta da minha irmã. Meu coração ainda martelava no peito, ecoando a decisão que eu acabara de tomar. Não havia mais volta. E, se para salvar meu pai, eu precisasse me expor, me entregar àquela vida que tanto me assustava, que fosse. Faria o que fosse preciso, mesmo que significasse atravessar todos os limites que um dia jurei não ultrapassar.

Até mesmo se, para isso, eu tivesse que compartilhar com minha irmã um tipo de intimidade que nunca imaginei ser capaz de enfrentar. Mas eu faria. Eu faria qualquer coisa pelo meu pai.