Capítulo 10
Quando ele saiu, eu fiquei ali parada, nua ainda, com a respiração presa no peito como se o ar tivesse medo de entrar. Meu corpo todo ainda vibrava. As pernas trêmulas, a pele sensível, os seios duros como pedra — qualquer toque era quase uma descarga elétrica. A buceta latejava, quente, vermelha, como se tivesse sido fodida por horas. Mas foram só vinte minutos. Vinte minutos intensos, rápidos, sujos.
Eu respirei fundo, peguei uma toalha qualquer no chão e fui pro banheiro tentando não olhar pro espelho. Se eu me olhasse, ia acabar pensando demais. E eu não queria pensar. Queria só lavar o gozo das pernas, o suor do pescoço, e fingir que aquilo tudo não tinha acontecido. Mas meu corpo não deixava. Ainda pulsava querendo mais.
Quando voltei pra sala, dei de cara com a zona. Luzes ainda ligadas, a câmera pendurada torta, o vibrador caído no chão, ali mesmo onde a gente pisa, onde passa bicho. E a Juju? Sumida. Devia ter ido dormir depois de se esgoelar pro cara que tava online antes de mim. Nem se deu o trabalho de juntar as coisas, limpar o pau de borracha que ela usou.
— Meu Deus, por que eu tenho uma irmã tão porca? — murmurei sozinha, catando o dildo com dois dedos e jogando na pia com cara de nojo.
Comecei a limpar tudo meio no automático, ainda sentindo as coxas grudadas de umidade. Guardei os brinquedos, desliguei as luzes da ring, fechei o notebook e fui conferir o saldo da noite.
Quando vi o valor, parei. Pisquei devagar. A tela mostrava um número que quase doía de olhar.
— Caceta… tudo isso?
Era quase metade do meu salário. Em pouco mais de três horas. Três horas gemendo, rindo, fingindo orgasmo e obedecendo pedidos absurdos. Eu fiquei ali, parada com a toalha ainda amassada na mão, tentando entender o que sentia.
Alegria? Talvez. Alívio? Um pouco. Mas principalmente, frustração.
Eu passava o dia inteiro atendendo gente com a boca podre, escutando reclamação de canal, entregando fichas, fingindo simpatia pra não perder o emprego. E ali, bastaram algumas reboladas, uns peitinhos mostrados, uma siririca bem feita e pronto: quase metade do meu salário.
A comparação me engasgou. Pensei no vale-alimentação, na carteira assinada, na aposentadoria . Pensei no plano de saúde, que eu nunca uso. E me odiei um pouco por pensar: _“Eu preciso dessa merda de emprego, n___ã___o d___á para largar!__”
Eu não era a Juju.
Ela dormia feito uma morta quando eu saí de casa. Não fazia ideia do que tinha rolado depois que ela foi pro quarto, muito menos do que eu fiz sozinha na frente daquela câmera.
Foi só perto do meio-dia que meu celular vibrou. A mensagem dela apareceu como um tapa na cara:
[Juju]: Caralho, piranha? O que tu arrumou depois que eu saí? Tu fez mais dinheiro que eu e nós duas juntas?
Ri sozinha, com aquele sorrisinho besta de orgulho que a gente tenta esconder até de si mesma.
Fiquei lembrando do carinha da noite anterior. Aquele do privado. O que deixou o telefone no chat.
Ele era bonito. Bonitinho, pelo menos. E… educado. Sei lá, parecia diferente dos outros.
Mas, claro, eu jamais teria coragem de mandar mensagem. Na cabeça dele, eu era só mais uma sirigaita de internet. Ele me conheceu pelada, sem roupas e de pernas abertas fingindo que estava gozando por causa dele. Como é que se constrói qualquer coisa em cima disso?
Suspirei e tentei empurrar os pensamentos pro fundo da cabeça. Eu precisava focar no expediente só que Juju não deixava, parecia que tinha acordado num surto consumista. Mandou áudio atrás de áudio, empolgada:
— Amiga, olha essa ring aqui! Tem umas que mudam a cor da pele, fica linda! E a câmera? CINCO MIL, mas vale a pena! E esse microfone? Dois mil, mas dá pra ouvir até a alma da pessoa. E esse fundo de LED que muda de cor? Três mil… mas Ju, a gente vai ficar rica!
Eu ria e queria matá-la ao mesmo tempo. Juju era assim. Dez da manhã: dormindo igual um anjo. Meio-dia: querendo gastar vinte mil como se a gente tivesse ganhado na Mega.
Mas a verdade era que ela não estava errada.
Se a Patricia sumisse com as coisas, a gente ia ficar na mão. E o que ela emprestou, eram coisas velhas que ela não usava mais, nada funcionavam bem, era para quebrar um galho. Até os vibradores tinha um aspecto ruim de muito uso, a gente realmete precisava de comprar tudo novo.
Só que Juju esquecia de uma coisa importante: a conta do hospital.
Saí mais cedo do trabalho naquele dia e passei pra ver meu pai. Ele continuava igual. O corpo ali, mas a cabeça parecia em outro lugar. A tia estava com ele, ansiosa, preocupada, falando sem parar sobre quem ia cuidar dele, quem ia pagar, quem ia se ferrar.
— Eu dou um jeito, tia… relaxa — respondi, tentando parecer mais forte do que me sentia.
Quando cheguei em casa, Juju estava largada no sofá, o notebook no colo, navegando entre abas de equipamento caro e listas de desejos sem fim. Ela mal levantou os olhos. Nem um “oi”, nem um “como foi no hospital?”. Só continuou ali, absorta, como se eu fosse mais um som de fundo no apartamento.
Segui minha rotina sem dizer nada. Tirei a maquiagem com o mesmo cuidado automático de todo dia, entrei no banho, vesti minha camiseta velha. Quando voltei, ela ainda estava no mesmo lugar, mastigando a ponta do lápis e murmurando valores sozinha.
— Justine, amanhã tem como você só ir de tarde pro trabalho?
— Não — respondi direto. — Por quê?
— A Patrícia vai passar aqui. Disse que queria fazer uma sessão de fotos com a gente, e precisava ser de dia por causa da luz.
Suspirei fundo.
— Mas eu tenho que trabalhar, né? Ou você esqueceu?
Ela virou o rosto devagar, como se eu tivesse falado uma besteira enorme.
— E se você largasse esse trabalho? Pra se dedicar de verdade?
Virei o rosto pra ela, molhada do banho, cabelo enrolado na toalha, e soltei um riso curto e sem graça.
— Tu tá maluca, é? Preciso dizer que eu preciso do plano de saúde? Que o vale-alimentação compra a nossa comida?
Ela me olhou de cima, com aquele ar blasé que só a Juju conseguia ter. E falou como se cuspisse uma verdade difícil de engolir:
— E eu preciso lembrar que em menos de uma semana a gente já fez quase o teu salário inteiro… sem ter a menor ideia de como fazer?
Doeu.
Porque era verdade.
E verdade dita com aquele desprezo da Juju virava soco.
Mas, por mais que doesse, eu ainda agarrava aquele emprego como quem se agarra a uma máscara. Se alguém me visse por aí gastando mais do que devia, eu podia sempre dizer: “Calma, eu trabalho, sou recepcionista.” Mesmo que ninguém realmente acreditasse nisso.
Fiquei em silêncio por uns segundos, e depois soltei, resignada:
— Marca com ela. Eu digo no trabalho que vou de manhã no hospital. A gente faz as fotos. E você vai visitar ele de tarde.
Ela sorriu, satisfeita.
E eu… bom, eu já nem sabia mais se estava cedendo… ou só começando a gostar demais disso tudo.
— Deixa eu te falar uma coisa… tem um cara aí, apaixonado por você, tá?
Levantei a sobrancelha sem nem tirar o rosto do travesseiro.
— Que cara?
— Um tal de Vitorino.
Fingi não saber quem era, mesmo sabPreparativos para a profissionalizaçãoendo muito bem. O mesmo do privado. O bonitinho. O educado. O que deixou o número no chat achando que tava arrasando.
Não queria ele no meu pé, então fui direto ao ponto.
— Tu fez cam hoje?
— Fiz um pouco, mas de tarde é ruim demais. Cento e poucos reais só…
— Juju, tu sabe que tem gente que trabalha o dia inteiro pra ganhar isso, né? Tu fez em, sei lá, duas horas.
Ela suspirou, entediada.
— Eu sei. Mas eu tô aqui pelo dinheiro grande, não pelo trocado.
Me sentei no sofá, cansada e ainda meio molhada do banho.
— Então corre atrás, Ju. Só de equipamento tu quer gastar mais de dez mil. E não esquece da conta do hospital. É mais de cem mil. A gente precisa pensar direito. Porque, nessa vida aqui… é só eu e você.
Ela bufou, jogando o corpo no sofá como se eu tivesse jogado um peso nas costas dela.
— Caralho… vai começar a dar uma de mãe agora? Sério isso? Eu passei o dia inteiro pensando nessas coisas, em como fazer mais dinheiro. Não é como se eu estivesse deitada de pernas pro ar!
Respirei fundo. Não era hora de brigar. A última coisa que eu precisava era uma guerra dentro de casa. A gente já tinha problema demais.
Ela mudou rapidamente o tom.
— O Vitorino… ele mandou você ligar pra ele. Disse que te deu o número.
— Deve ter posto no chat. Mas eu não anotei nada, tava focada no trabalho.
— Só cuidado com os convidados, viu? Foi a primeira coisa que a Patrícia me falou. Se insistirem muito ou começarem a puxar papo por fora, isso pode dar ban na plataforma.
Isso me deixou preocupada. Tinha muita coisa nesse universo que eu não sabia, mas eu gostei dele ter me procurado. O dedinho de mandar mensagem estava coçando.