Capítulo 15#

Andei um pouco pelo shopping, passando pelas vitrines, olhando roupas que eu nunca podia comprar com meu salário de recepcionista apertado. Mesmo com a ajuda do meu pai, a grana mal dava pra tudo. Mas agora era diferente. A gente estava fazendo dinheiro. De verdade. Assim que pagasse o tratamento dele, eu poderia voltar ali e comprar o que quisesse, só apontar e levar. Esse pensamento me dava um misto de alívio e poder. Um controle que eu nunca tinha sentido.

Mas não era só isso que ocupava minha cabeça. Vitorino também estava ali, rondando meus pensamentos feito fumaça. Eu ainda não sabia o que achar de tudo. Do fato dele ter me conhecido por um site. De saber exatamente como era minha voz gemendo, minha cara quando gozo, meu jeito quando finjo. E, estranhamente, isso não me incomodava. Nem um pouco. Eu não sentia vergonha.

Na verdade, aquilo até me deixava curiosa. Talvez… até animada.

Ele provavelmente achava que eu era puta. E, sinceramente? Eu tava fazendo coisa de puta na internet mesmo. Mas o engraçado é que pensar nisso não me fazia sentir suja. Pelo contrário. Eu gostava da ideia dele imaginar que eu era outra mulher — uma mais moderna, mais ousada, mais livre do que eu realmente sou.

Isso mexia comigo. Me deixava confiante. Me fazia andar com o peito um pouco mais erguido, os passos mais certos. Era como estar disfarçada e, ao mesmo tempo, mais parecida comigo do que nunca.

— E se ele quiser me pegar? Eu deixo? — a pergunta escapou dos meus lábios antes que eu percebesse que tinha dito em voz alta.

Olhei em volta, envergonhada, como se alguém tivesse ouvido.

Não deu muito tempo e meu celular vibrou.

“10 minutos.”

Respirei fundo, tentando parecer tranquila, e fui em direção à praça de alimentação. Estava cheia, barulhenta, cheia de famílias, adolescentes rindo alto, gente com bandeja na mão — ótimo. Quanto mais gente, mais seguro eu me sentia. Escolhi uma mesa perto do meio, num lugar bem visível, e fiquei fingindo que olhava o cardápio luminoso das lanchonetes enquanto o coração batia acelerado.

Pouco depois, ele chegou.

Vitorino. Ou melhor, Vitor.

Ele usava uma camisa social clara, bem passada, a gola estruturada, os punhos abertos. Calça escura, sapato limpo. O tipo de roupa que homem comum não usa pra ir ao shopping. Ele era mais alto do que eu imaginava e mais bonito também. Cabelo bem cortado, barba feita. Tinha um ar tranquilo, quase gentil, mas ao mesmo tempo seguro de si — o tipo que sabe o efeito que causa quando entra num ambiente.

E eu, sentada ali com um vestido florido branco tipo menina moça que já tinha visto dias melhores, e eu só conseguia pensar:

“Puta merda… por que ele logo foi me conhecer num site de putaria e não na porra da missa de domingo? E por que eu sai de casa tão mal arrumada”

Ele me viu e veio direto falar comigo. O jeito foi tão amigável, tão natural, que por um segundo esqueci completamente de onde a gente se conhecia. Sorriu, me cumprimentou de um jeito educado, um pouco tímido até, e me convidou pra ir a um restaurante ali mesmo no shopping, comer alguma coisa mais tranquila. Eu aceitei. Era um lugar mais sofisticado, com menu em papel texturizado e guardanapo de pano — confesso que meus olhos cresceram. O tipo de lugar onde eu sozinha jamais entraria, mas com ele ali do lado, pagando por aquilo…

O que mais me chamou atenção quando começamos a conversar foram duas coisas. A primeira: ele era extremamente cheiroso. Um perfume leve, amadeirado, nada exagerado, mas que grudava no ar quando ele falava perto. E a segunda: a doçura dele. Ele me olhava com calma, ouvia de verdade, sorria nos momentos certos, não atropelava, não parecia estar ali só esperando a deixa pra dizer alguma coisa sobre ele. Aquilo me desmontava.

A gente se sentou, pediu dois chopes e algum prato qualquer que ele sugeriu dividir — nem lembro o nome. A conversa fluiu. E o mais curioso: em nenhum momento a gente mencionou como se conheceu. Nenhuma piadinha, nenhuma referência, nada. Parecia que a gente se conhecia da vida real, de uma situação normal. Quase como se aquele começo torto nem existisse.

Ele contou que trabalhava no mercado financeiro, numa área que misturava direito e investimentos. Falava com entusiasmo, mas sem se exibir. Tinha aquele jeitão de quem estudou muito, mas não fazia questão de impressionar. Quando ele me perguntou o que eu fazia, eu dei um gole grande no chope e soltei de uma vez:

— Sou secretária de dentista… e agora camgirl.

Ele arregalou os olhos e começou a rir. Mas não foi um riso debochado. Foi um riso verdadeiro, surpreso, gostoso de ouvir. Gargalhou como se aquilo fosse a melhor frase do mundo, e naquele momento, eu ri também. Pela primeira vez em dias, eu ri sem me sentir culpada.

— Olha, eu tenho uma curiosidade sobre você! Por que um rapaz bonito como você, estava em um lugar daqueles?

— Você sabe que eu posso te devolver essa pergunta num truco, né? — ele disse, com um sorriso sacana no canto da boca.

Eu ri. Era verdade. Mas ele não parecia do tipo que ia jogar a carta só pra me provocar.

— Você quer falar disso? Porque eu posso, mas a história é triste — avisei, meio rindo, meio séria.

— A gente pode falar. Só não pode deixar o clima cair, tudo bem?

— Então vai você primeiro — respondi, me encostando na cadeira.

Ele respirou fundo, como quem já tinha ensaiado isso mentalmente.

— Eu trabalho o dia inteiro e estudo também. Não tenho muito tempo pra nada. E… não sou exatamente bom em flertes, sabe? Sou bem tímido, na real.

Deu uma pausa, pensou um pouco mais, depois continuou.

— Então acabo me envolvendo com profissionais. É mais simples. Mais direto. Menos confusão emocional.

Eu ia abrir a boca pra responder, já com um monte de coisa na ponta da língua, mas ele levantou o dedo e me cortou com um sorriso travesso.

— Ahn ahn ahn! Não… sem julgamentos!

Fiquei quieta e ri, levantando as mãos como quem se rende.

— Tá bom, sem julgamentos… — respirei fundo, bebendo o restinho do meu chope. — Eu… bom, você sabe que eu tenho uma irmã, né? Ela vive dessas coisas de internet, venda de curso, marketing, aposta, essas coisas meio obscuras.

Ele assentiu, ouvindo com atenção.

— E aí meu pai ficou doente, e a gente precisava de dinheiro. Ela já tava com essa ideia de vender packs pelada, já tinha meio que se animado com isso… e eu, que nunca imaginei entrar nisso, acabei indo com ela.

Falei de um jeito leve, como se não fosse nada demais. Mas por dentro, meu coração batia mais rápido. Eu sabia que aquele momento podia definir muita coisa. E, ao mesmo tempo, não fazia ideia do que ele pensaria de mim depois daquilo.

— É… eu jamais diria que você seria capaz de fazer uma coisa dessas, te olhando assim — ele comentou, quase como se falasse com ele mesmo, encarando o copo meio cheio.

Assenti devagar, sem saber o que responder. A conversa ficou muda por um instante. Pesada. Aquele tipo de silêncio que parece respirar do lado de fora, esperando a pergunta inevitável.

— Você se ofenderia se eu quisesse saber mais de você? Do seu trabalho?

— Não… pode perguntar — respondi, tentando soar natural, mas minha voz veio mais baixa do que eu esperava. E esperei.

— O que mais, além de cam, vocês fazem? — ele disse com calma. — Porque eu não achei mais conteúdos de vocês.

— A gente só fez câmera mesmo. Aquele desastre que você viu lá.

— Eu confesso que você tava meio sem jeito mesmo — ele riu, com um ar quase cúmplice. — Mas foi isso que me chamou atenção. O jeito sem experiência, meio perdida. Deu… um charme.

— Vocês predadores gostam de mulher vulnerável — soltei, mais rápido do que devia. A frase escapou como um reflexo, meio amarga, meio sarcástica.

Ele parou por um segundo, pensou, e respondeu com honestidade.

— Talvez.

Aquele “talvez” ficou vibrando no ar, junto com o som dos talheres e das vozes ao redor. Eu sabia que ele ainda queria saber mais. E perguntou, como se fosse nada demais:

— Vocês têm vídeos juntas?

— Não. A gente quer gravar, mas falta coragem — respondi, dando um gole no chope e evitando o olhar dele por alguns segundos.

O que eu não ia dizer, não ali, não naquele momento, é que hoje mesmo a gente tinha tentado. Que hoje, horas atrás, eu tinha gravado um vídeo metendo a língua e três dedos na minha irmã. Que a gente tinha ido longe. Muito longe. Mais do que qualquer roteiro poderia prever.

— E programa? Vocês fazem?

Fiquei vermelha na hora. Eu sabia que aquela pergunta viria. Ele ainda teve a delicadeza de ir comendo pelas beiradas, tentando não parecer invasivo demais. E eu achava que, quando finalmente ouvisse, ia ficar triste, irritada, talvez até levantar da mesa e ir embora. Mas não. A única coisa que eu senti foi uma vontade estranha de rir. E vergonha. Daquelas que a gente sente quando um cara te chama pra transar e você, por algum motivo inexplicável, quer dizer sim — mas diz não.

— Nãooooo! — soltei alto demais.

Metade do restaurante virou o rosto, e eu quis me enfiar debaixo da mesa.

Ele riu, e colocou o copo na mesa, me encarando com aquele jeito leve que me deixava desconcertada.

— Se fizesse, teria muitos clientes — disse como quem comenta o clima.

— Nossa, nem consigo me imaginar nisso. Seria muito estranho sair com velhos desconhecidos — falei, fazendo uma careta, tentando rir junto.

— Ahn, mas nem todos são velhos. Tem caras legais. Tipo eu…

— Caras legais como você não chamam prostitutas — retruquei, arqueando a sobrancelha.

— Chamam sim. Eu chamo.

— Eu não acredito nisso. Você não precisa…

Ele deu um sorriso pequeno, meio melancólico, meio sacana.

E eu engoli em seco.

Eu sabia que viria outra pergunta depois daquela.