Capítulo 16

Quando eu saí, fui direto pra cozinha, ajeitando a roupa como se nada tivesse acontecido. Ele já estava lá, parado na porta me esperando. Claro, queria usar o banheiro. Passou por mim, mas antes me segurou num abraço apertado. Não foi só encostar o corpo, foi abraço de verdade, desses que eu não gosto, mas sei que é uma demonstração de carinho. Ele me deu um beijinho rápido na boca, e ainda sorriu. Eu juro que aquilo me deixou mole. Não, não mole de tesão, povo tarado! Mole de coração quentinho mesmo. Achei fofo. Depois de tudo que a gente tinha feito, aquele gesto bobo foi o que me desmontou.

Ele entrou no banheiro e eu fiquei na cozinha. Olhei em volta: parecia que tinha passado um furacão. Coisa caída, cadeira arrastada, pratos largados. Na mesa, um copo quase cheio de vinho tinha virado na toalha.

“Essa aqui já era… pra tirar essa mancha vai ser um sacrifício!” pensei, revirando os olhos.

Peguei a toalha e coloquei de molho na pia. Aproveitei e lavei os pratos e talheres que a gente tinha usado, arrumei as coisas espalhadas, dei uma ajeitada geral. Eu ri sozinha, na minha casa era uma guerra para lavar o meu próprio copo de água e aqui eu estava pagando de Maria.

Fiquei ali, enrolando, mexendo nas coisas, até ouvir a descarga e a porta do banheiro abrindo. O coração acelerou de novo. Eu não sabia se ele ia voltar me abraçando, me expulsando ou querendo mais uma.

— Kika — a voz dele veio do corredor, molhada ainda do vapor do banho rápido.

— Tou aqui na cozinha, arrumando as coisas.

— Não, deixa isso aí, depois eu limpo.

— É rapidinho, não custa nada.

Ele se aproximou, e quando chegou atrás de mim ajeitou a alça da minha blusa que tinha escorregado pelo ombro. Depois me deu um beijinho na cabeça, leve, quase inocente.

— Obrigado, tá, lindinha?

Eu ri, boba, toda mole.
“Kika ganhou biscoito, tralálálá!”

Ele me olhou sério e mandou:

— Eu achei que você não estaria aqui depois de ter me usado, moça!

Parei, olhei bem pra cara dele, tentando entender se era ironia, piada, ou se ele estava falando sério. A gente mal tinha se conhecido, não dava nem uma hora que a gente tava junto e já tinha trepado como se fosse casal brigado.

— Que cara é essa? Você não faz isso? — ele insistiu.

— Claro que não! — respondi, rindo sem graça. — Você homem que deve fazer isso direto, né?

Ele deu um sorrisinho de canto, como quem não confirma nem nega.

— Claro que não, calma, é brincadeira. — ele riu baixinho, me fez mais um carinho no braço e depois no cabelo. — Tá tudo bem com você? Eu te machuquei?

Na hora eu lembrei da primeira vez, como tinha ardido, queimado, aquela sensação de areia raspando. Dessa vez não era bem dor… era mais como se eu tivesse tomado um murro na ximbica. Dolorido, pesado, latejando. E lá dentro, bem no fundo, atrás do umbigo, eu sentia umas pontadinhas estranhas.

— Tou sim… — respondi, quase escapando um “eu aguento pica, moço, fica tranquilo”.

— Que bom… — ele suspirou, se encostando na pia. — Essa coisa foi meio doida. A gente vai se ver de novo?

Eu olhei pra ele. Por dentro a resposta veio na hora: “Meu filho, se tu me comer assim todo dia eu venho morar aqui.” Mas como sempre, minha língua atropelou meu cérebro e saiu foi outra coisa.

— Você tem namorada?

— Ihhh… e se eu tiver? — ele levantou uma sobrancelha, rindo safado.

— Olha lá, eu não quero apanhar na rua, não! Nunca mais venho aqui.

— Eu não tenho namorada, fica tranquila. — falou sério, me olhando nos olhos.

Aquele olhar me desmontou.

Enquanto a gente terminava de arrumar a cozinha, meu telefone vibrou com mensagens. Gelei na hora, podia ser minha mãe. Peguei rápido: era só perguntando se eu ia jantar. Respondi que não, que já tinha comido pizza.

“E salsichão, tou de barriga cheia” completei na mensagem, e caí na risada sozinha, como uma retardada. Péssima coisa pra escrever depois do sexo, mas minha cabeça funcionava assim.

Quando fui ver as outras mensagens… era o Jonas. Querendo jogar.

Eu não queria dar muita trela pra ele. Quer dizer… queria sim. Claro que queria. Mas naquela hora, satisfeita sexualmente falando, só respondi:

“Hoje não posso, tô estudando.”

Mas aí pensei: “Ué… se ele tá me procurando, significa que não tá com a minha irmã…”

Peguei o telefone na hora e liguei pra ela.

— Rapidinho, só um minuto, deixa eu ligar pra minha irmã e saber onde ela tá? — falei pro cara, que só assentiu e foi pegar uma vassoura com um pano, como se nada fosse.

Ela atendeu já meio rindo, meio alterada:

— Oi Kika, o que foi?

— Nada não, só queria saber de tu. Tá aonde?

— Tô com a Joana, amor. A gente tá bebendo na casa da Clara, só nós três. — fez uma pausa, aquela pausa desconfiada de irmã. — Por que você quer saber?

— Não é nada não, é que o seu namoradinho tava me chamando pra jogar LoL. Achei que você tava com ele, só isso.

— Ah, eu te empresto ele pra ser seu duo hoje, tá, amor? — respondeu com ironia.

— Beijo, cheirosaaa! — falei de sacanagem, mas ela desligou na minha cara.

O rapaz, encostado na vassoura, arqueou a sobrancelha.

— Cheirosa? Que forma incomum de chamar alguém.

Eu dei risada, encostei na pia.

— É que quando eu era pequenininha, eu achava ela muito cheirosa. Ela vivia roubando os perfumes da minha mãe e ficava experimentando, sabe? Ficava aquele cheiro forte no quarto, quase enjoativo. Eu devia querer dizer “fedorenta”, mas a única palavra que eu conhecia era “cheirosa”. Aí pegou.

Ele riu, balançando a cabeça.

— Você é uma figura, viu?

E eu, por dentro, pensava: “Se tu soubesse a confusão que eu arrumo sozinha, não dizia isso rindo, não.”

A gente ficou ali, conversando sobre um monte de coisas. Eu falava a mil, como sempre, e ele só ouvia, rindo de vez em quando. Devia estar me achando chata pra cacete, mas era meu jeito: falava pelos cotovelos sem filtro nenhum.

Do nada, ele jogou:

— E você, Kika?

— Eu o que? — respondi, sem entender.

— Tem namorado?

Revirei os olhos.

— Tu acha que se eu tivesse namorado eu estaria aqui? Sério mesmo?

— Não sei… — ele deu de ombros, me olhando com calma, como se tentasse me decifrar. Depois respirou fundo. — Posso te fazer uma pergunta mais íntima?

— Pode ué… — falei sem pensar.

— Você era virgem?

Foi como um soco.

— Caralho, foi tão ruim assim? — soltei na lata, quase ofendida. — O que eu fiz de errado?

— Nada, querida. Não é isso. — Ele ergueu as mãos, tentando se defender. — Eu perguntei porque você é bem mais nova que eu… só isso.

“Eu falo pra ele que eu dei uma vez só?”

Mas minha boca, a desgraçada, não esperou meu cérebro decidir.

— Eu dei semana passada!

Ele parou.

Me olhou como se tivesse lido uma charada complicada. A cara dele era um ponto de interrogação gigante, a sobrancelha arqueada, os olhos meio arregalados, a boca aberta sem palavras.

E eu só pensava: “Pronto, Kika, parabéns. Você acaba de confessar que é uma puta mirim! ”

— Desculpa Kika não entendi, sua primeira vez foi semana passada ou você só transou semana passada?

Minha cara era de nervoso, eu odiava quando eu fazia isso, e fazia direto, parecia que sempre que tinha uma informação sensível a coisa pulava da minha boca, era como se eu pensasse com a língua.

— Eu sou doida, esquece. TDAH, sabe? Tenho até crachá e tudo!

Ele me olhou sério, mas com aquele sorriso de canto, parecia mais interessado na minha condição mental do que no fato de eu ter dado ou não. E ele estava certo.

— Me fala mais… você faz terapia?

— Sim. Eu tenho fuga de ideias, eu acho que tou falando e às vezes tou só pensando, e vice-versa. Acontece muito! Principalmente quando eu fico nervosa. Eu sou ansiosa, não consigo ficar muito parada, mas o remédio dá conta disso.

— Entendi… — ele coçou o queixo. — E o que você queria dizer quando falou que transou semana passada?

Eu era péssima em mentir, mas tentei.

— É… é que eu quis dizer que não era virgem. Pode ficar despreocupado, tá?

Ele riu.

— Mas isso não é um problema, tá?

— Uhum… que susto. Eu pensei que você tinha me achado ruim.

— Não. Eu achei ótimo. Sexo é o casal que faz ser bom… e eu tô doido pra fazer de novo com você.

Ele veio chegando perto, colando em mim, e me beijou. Meu farol acendeu na hora, eu queria, claro que queria. Mas não dava. Minha mãe ia me sumonar de casa se eu atrasasse mais, e ela nem sabia que eu estava ali.

— Olha, eu quero muito… mas minha mãe não sabe que eu tô aqui. E pra ser sincera, se ela souber que você existe, não me deixa por os pés aqui nunca mais.

Ele ficou quieto, me olhando, como se calculasse as probabilidades na cabeça.

— Então tem que ser escondido?

Eu ri, baixinho.

“Sim.”

Achei que tinha falado, mas só pensei.

A conversa terminou num beijo de despedida, longo, quente, e no fim trocamos os números de telefone. Na minha agenda, salvei com um coraçãozinho do lado, como se fosse segredo só meu.

E, a propósito… o nome dele é Glauco.