Capítulo 15

Meu quarto era apertado. A cama ocupava quase tudo. Pelos cantos, pilhas de coisas que não cabiam no armário. A luz amarelada falhava, as paredes pediam tinta. Pobre, cru, o oposto do lugar onde eu trabalhava. Empurrei umas roupas com o antebraço para ganhar espaço. O colchão afundou no centro. O ar tinha cheiro de limpeza e lar.

Pensei no que Madame Lulu ensinara: cenário não importa, postura importa. O mestre precisa de espaço. Eu precisava conseguir aquele espaço.

Subi na cama e me ajoelhei perto da borda. Testei com os joelhos, um depois do outro, procurando onde doía menos. Ajustei o peso nos calcanhares. Pernas ligeiramente afastadas. Mãos pousadas sobre os joelhos, dedos estendidos. Coluna ereta até arder entre as escápulas. Queixo um pouco baixo. Olhos no chão, sem fechar, sem procurar nada. Não me cobrir. Não me coçar. Não falar sem ordem.

O silêncio do quarto aumentou. Ouvi o ruído da rua filtrado pela janela, uma moto distante, um latido perdido. A respiração ficou curta. Senti o coração bater no pescoço, como se quisesse levantar minha cabeça à força. Não levantei. Vontade é coisa minha. Ali, vontade não servia. Servia regra.

Revisei a posição mais uma vez, milimétrica: joelhos firmes, coxas abertas o bastante para parecer oferta, não o bastante para parecer desleixo. Ombros para trás, peito quieto. Eu me tornei cenário. Se ela entrasse agora, encontraria exatamente o que pediram de mim.

Pensei em chamá-la, dizer que eu estava pronta. A palavra veio até a boca e morreu ali. Não era sério, era ensaio, treino, eu sabia. Podia falar. Mesmo assim, toda vez que o ar subia, algo travava. Não era garganta, não era corpo. Era medo. O quarto ficou mais quieto. Senti a língua pesada, a saliva rala, o peito preso. Abri a boca de novo e nada. O silêncio me empurrou para dentro de mim. Eu ouvi meu coração na orelha, os joelhos ardiam no lençol áspero, e a vontade de chamar virou um nó seco. Fiquei parada, obediente à regra que ninguém tinha dado: não falar até conseguir engolir esse vazio.

Ela entrou depois de um tempo que não soube medir. Eu não virei o rosto. Vi pelo canto do olho os seios nus e só uma calcinha cara. “É importante estar sempre pronta”, ela tinha dito mais cedo quando perguntei da lingerie sem motivo; agora eu entendia. Mantive o olhar num ponto morto. Eu virei ouvido e pele: o passo leve no piso, o elástico roçando, o cheiro limpo do creme.

— Ora, ora. Este lixo de mulher não quis me servir direito hoje.

Meus olhos tremeram. Entreguei o susto sem querer. O que eu tinha feito de errado? Regras mal ditas deixavam tudo torto. Ela captou, como se lesse minha nuca.

— Dispa-se, Luana. Você deveria estar despida para me receber.

O ar raspou na garganta. Minhas mãos pesaram nas coxas. O protocolo pedia resposta.

— Sim, minha senhora, se isso a deixar feliz.

Eu me equilibrei na cama sem levantar. Tirei a blusa primeiro, os seios frios no ar do quarto. Virei de lado e deixei o short puído de ficar em casa e a calcinha descerem pelos joelhos até os pés. Lancei um olhar rápido para a calcinha: seca. Nada em mim pedia aquilo. Eu só sentia o nervoso conhecido, a ansiedade que mordia o estômago. Voltei à posição, joelhos firmes, mãos sobre as coxas, queixo baixo.

— Coloque isso no rosto.

Ela me entregou minha própria blusa, enrolada para ser usada como venda.

— Sim, minha senhora.

Ajustei o tecido nos olhos e amarrei atrás da cabeça. O mundo apagou. O calor da respiração voltou no pano. A pele arrepiou inteira. Sem visão, eu virei só ouvido e tato: o passo contido no taco, um anel tocando a madeira da cama, o ar cortado pelo movimento dela. O coração subiu para o pescoço.

Pensei se não dava para ser de outro jeito. O jeito que mulher hétera tenta encostar em outra, meio rindo, meio teste, beijo curto, mão tímida. Pensei e descartei. Aqui não tinha tentativa. Tinha regra. Treino. Madame Lulu chamava de ajustar o corpo ao uso. Eu, vendada, só conseguia respirar raso e manter a coluna ereta, esperando o toque que viria, sem saber onde, nem quando, nem com que força.

O silêncio se alongou até virar peso. Vendada, eu contei a respiração para não perder a postura. O quarto cheirava a nós duas agora. O lençol colava nos meus joelhos. Eu ouvia coisas mínimas: um estalo de unha, o deslocar do ar quando ela mudou de lado, o ranger fino da madeira. A ansiedade veio como sempre vinha, primeiro no estômago, depois entre as coxas, uma corrente elétrica miúda. Eu já conhecia. Era minha companhia nesses momentos. Pensei em como segurar quando viesse forte. Ombros para trás. Pescoço longo. Mãos nos joelhos. Não falar.

Veio sem aviso. Seco. Ardeu na pele na hora. Não ouvi o objeto cortando o ar, então não foi chicote. Foi um baque curto, abafado, que espalhou calor na base da bunda e subiu pelas ancas como fogo raso. O corpo quis reagir, contrair, fugir da dor, mas eu segurei a linha da coluna. O impacto empurrou meu ar para fora num suspiro mudo. A ardência abriu em círculo, quente no centro, mais fria nas bordas. Pensei só no essencial: manter a posição e não tremer. Não tive medo da minha segurança. O que me atravessou foi outra coisa: se aquilo ia marcar. Se a pele ia florir de roxo onde ela bateu. Se, quando eu tirasse a venda, eu teria sinais limpos para mostrar ao meu senhor. Eu ajustei o peso nos calcanhares, firmei os dedos nos joelhos e esperei o próximo comando ou golpe.

Meu corpo ainda latejava do impacto inicial, um ardor que se espalhava como fogo rasteiro pela pele, e eu já esperava o próximo golpe, o segundo, o terceiro, ansiando que viessem logo para que o suplício acabasse de uma vez. Mas ela não era assim. Ah, não. Natália tinha seus próprios truques para me atormentar, maneiras mais sutis, mais cruéis. No ponto exato onde a dor queimava, senti algo roçando — unhas, talvez, afiadas e leves, traçando linhas que misturavam agonia e arrepio, um peso opressivo com uma leveza traiçoeira. Respirei fundo, o ar entrando rasgado nos pulmões, e aquela sensação se entrelaçou em mim, reverberando pelo corpo inteiro, subindo pela espinha como um veneno doce que eu não queria, mas não conseguia expelir.

O que era unha virou dedos, que passeavam por ali devagar, explorando sem pressa, e então viraram mãos inteiras — mãos como as de homens, desajeitadas e desejosas, daqueles que não sabem tocar uma mulher, só apertam e invadem. O contato me incomodava profundamente, um formigamento errado que subia pela nuca; eu não precisava ver para saber que era o toque de alguém do sexo indesejado, avaliando, apertando, se divertindo com a minha carne como se eu fosse um objeto exposto em uma vitrine. Atrás de mim, recebi uma ordem sem palavras para ficar de quatro com os seios colados na cama, era mais uma posição, e eu obedeci silenciosamente sem questionar.

Quando fiquei pronta ela sentou-se atrás de mim e posicionou as mãos, uma em cada banda da minha bunda, esticando ao máximo, puxando a pele até o ponto em que sentia a carne querendo ceder, rasgar, e um sopro veio então, um assopro gelado na pele exposta, causando um arrepio que me forçou a comprimir o ventre, os músculos internos se contraindo para não tremer, para não entregar o quanto aquilo me desestabilizava.

“Meu Deus… isso é pior que dor física”, pensei, o estômago revirando em uma náusea silenciosa, enquanto tentava me lembrar de quem eu era — uma estudante de direito, caramba, não uma boneca nessa loucura. De repente, um dedo me cortou ao meio, seco e invasivo, tão desejado e sensual quanto o toque impessoal de um ginecologista em consulta de rotina. Meu corpo nada sentiu além de asco, um nojo que subia pela garganta como bile, amargo e inescapável. Ela parecia se divertir com o meu sexo, abrindo os grandes lábios com dedos curiosos, arrumando os pequenos como se os moldasse, tentando desenterrar a ponta do meu clitóris adormecido dentro de seu capuz natural. “Como deve ser estar do outro lado? Do lado de quem abusa, do lado de quem domina?”, o pensamento inusitado, misturado a cócegas nervosas e um tremor que eu odiava, meu corpo sem reação além desse nervoso elétrico, essa repulsa que ardia mais que qualquer tapa.

Por um momento eu senti minha mente voar longe, imaginando como seria estar ali no outro lado, “Eu tenho dinheiro poderia pagar um garoto de programa” pensei. Mas logo lembrei “Eu não posso me relacionar com outras pessoas, está no contrato.” Atrás de mim, ela se divertia no seu tempo, eu sentia sua boca próxima de mim, ela me dei beijos e toques tão leves que eu não tinha mesmo certeza se tinha me tocado.

Quando ela mudou o toque, foi o meu maior tormento, mais difícil que ocultar a dor, é ocultar o prazer.