Capítulo 12
Depois daquilo, minha aula com Madame Lulu se resumiu quase sempre a lições de etiqueta. Natália permanecia por perto, atenta, orbitando Madame com aquela dedicação silenciosa que eu já tinha aprendido a respeitar, e eu, sentada, observava, ouvindo instruções que pareciam tiradas de um manual de comportamento antigo, aprendendo a cruzar as pernas do jeito certo, a manter o queixo erguido na medida exata, a sorrir com os olhos e não com os dentes, como ela dizia; e sempre despida.
Tudo me parecia um pouco surreal, como se eu estivesse sendo preparada para um papel que ainda não entendia completamente, mas que, no fundo, já começava a aceitar. Eu conseguia compreender, claro, o desejo de um homem pagar por sexo fácil, a fantasia de ter uma mulher moldada para satisfazer um capricho, mas, mesmo assim, aquilo ainda me causava estranhamento — embora, no fundo, soubesse que já estava me acostumando, pouco a pouco, de um jeito quase imperceptível, como quem se adapta a uma língua estrangeira depois de ouvir tantas vezes as mesmas palavras.
“Será que eu estaria sendo quebrada, como disse Madame?”
Quando aquela noite terminou, ele me dispensou. Foi rápido, como sempre — uma interação breve, o mínimo necessário, como se só a minha presença bastasse, e, mesmo pagando tanto, ele parecia sempre preferir a distância. Eu não reclamei. Apenas fui até o banheiro, tomei um banho morno, vesti minha roupa com a mesma precisão metódica com que Madame me ensinava a dobrar o guardanapo durante as aulas, e fui para casa, silenciosa, carregando comigo a estranha sensação de que, embora tudo parecesse igual, cada ida à aquela casa me transformava um pouco mais.
Quando cheguei, estava exausta. A marca da chicotada ainda ardia na pele, e na caixa que ele havia me dado havia algo específico para tratar disso, um creme denso, frio, que aliviava mas, ao mesmo tempo, me fazia lembrar de onde aquele ferimento tinha surgido. Meu corpo inteiro doía de tanto ter ficado naquela maldita posição completamente imóvel e submissa.
Como de costume, me sentei na beirada da cama e abri o aplicativo do banco. O dinheiro do dia já tinha entrado. Um riso discreto, quase involuntário, escapou do meu rosto. Aquela sensação breve e silenciosa de satisfação, como quem confirma para si mesma que a escolha foi acertada. A ideia insistente de que aquilo estava, sim, se tornando uma grana fácil ainda tinha força na minha cabeça — pegar o máximo que eu puder até aguentar e depois sumir, desaparecer, sem deixar rastros… esse plano seguia firme, repetido como um mantra toda vez que o cansaço ou a dor ameaçavam me fazer desistir.
Enquanto eu fazia mentalmente esses cálculos, ensaiando futuros possíveis, o telefone do trabalho tocou. O número era desconhecido para mim, e aquilo já me fez sentar mais ereta, um sobressalto automático.
— Luana?
A voz feminina do outro lado da linha tinha aquele tom que trazia um sorriso junto, inconfundível. Era Natália.
— Oi… tudo bem? O que houve?
De imediato, minha cabeça buscou algum erro, alguma falha que eu pudesse ter cometido, como se não fizesse nem meia hora que eu tinha estado com ela e, ainda assim, algo pudesse ter dado errado.
— Nada… — a pausa dela foi leve, quase preguiçosa — tá fazendo o quê?
— Eu acabei de chegar… ia trocar de roupa, talvez assistir um filme.
Minha voz saiu natural, mas, por dentro, o coração acelerou um pouco, sem motivo aparente, só pela surpresa, pela imprevisibilidade daquela ligação.
— Que bom que não está ocupada… abre a porta pra mim?
— Como assim? Você tá aqui?
— Sim… tô subindo.
Aquilo me pareceu estranho. Tudo, naquela história, parecia um teste. Eu não era paga para trabalhar fora da casa dele, ninguém tinha me ordenado nada… na verdade, eu nem sabia se podia ou devia receber ela ali.
O porteiro anunciou logo depois, e, minutos mais tarde, ela cruzava a porta do meu apartamento com a naturalidade de quem já tinha feito aquilo mil vezes. Nas mãos, uma bolsa enorme de roupas, uma bagagem de mão, uma mochila… parecia que tinha vindo pra morar comigo.
— E antes que tente me dizer não… sim, eu vou dormir aqui. E obrigada por me deixar passar a noite.
Eu ri, meio sem graça.
— Claro… eu jamais diria não — menti.
Ela largou as malas no meio da sala e olhou em volta, analisando tudo com aquele olhar curioso, e aquilo me incomodou. Meu apartamento era pequeno, e nem dava pra dizer que era modesto — era pobre mesmo. Eu era uma fodida.
Ela, mesmo muito mais jovem que eu, parecia ter alguma grana. Não ostentava, mas os detalhes estavam lá: pequenas joias de ouro e alguns brilhantes delicados, que combinavam com o ar juvenil dela e com aquelas roupas, obviamente caras. As malas sozinhas deviam custar quase o preço de um carro popular.
— Onde eu posso dormir?
— Você pode dormir no sofá… ou na cama comigo… se não se importar.
— Eu durmo com você! E pode deixar, não fico te olhando, não…
Aquilo me incomodou, mais do que eu queria admitir. Toda aquela coisa ainda não era natural pra mim, e ela pareceu perceber, como se meu desconforto fosse óbvio demais.
— Relaxa… olha… no começo é assim mesmo. Você ainda não tem controle da situação, não sabe onde tá pisando… quando entende melhor, tudo fica mais fácil.
Ela falou com aquela leveza que parecia natural nela, jogou uma das malas grandes em cima do sofá e começou a revirar as coisas, puxando roupas de dormir e peças íntimas novas, com aquele ar despreocupado, como se aquilo fosse a coisa mais banal do mundo.
— Eu vou tomar um banho, tá bem?
— Claro…
E, sem esperar mais nada, foi se despindo ali mesmo, no meio da minha sala, sem pudor e sem necessidade alguma, como quem nem considera a possibilidade de que aquilo pudesse me constranger.
— Sua vez de me olhar, o mundo dá voltas realmente muito rápido não é mesmo!
Eu ri, sem graça, sem saber muito bem como reagir, apenas acompanhando com os olhos enquanto ela tirava a calça e deixava o jeans jogado no sofá, depois a blusa… e ali estava, só de lingerie, um conjuntos de peças lindas, delicadas, ajustadas perfeitamente no corpo dela. Eu jamais usaria algo assim no meu dia a dia.
— Nossa… que lingerie bonita… onde você comprou?
— Essa aqui não fala português, Luana… — ela riu, girando de leve, empinando para me mostrar as costas, sem maldade nenhuma, como se fosse só mais um gesto qualquer — foi um presente… de um amante. É linda mesmo, não é?
— Você ia… tipo… fazer algo com isso hoje?
— Não… mas aprende isso: esteja sempre pronta.
Eu ri, balançando a cabeça, enquanto ela desaparecia pelo corredor.
— Mas ele quer que eu esteja sempre pelada… — comentei, mais para mim mesma do que para ela, mas ainda alto o suficiente para que me ouvisse, e ri de novo, porque era verdade. — Acho que ele me viu vestida… não mais que dez minutos.
Ela tirou as últimas peças com a mesma naturalidade com que tinha começado, dobrou com cuidado e colocou ao lado da mala, como quem cumpre um pequeno ritual. Agora completamente nua, eu pude ver seu pubis, uma penugem leve, bem aparada, curta, que deixava sua cintura ainda mais marcada, quase como uma moldura, como se aquele detalhe fosse uma joia, discreta, mas impossível de ignorar.
Mesmo com a iluminação ruim da minha sala, não pude deixar de reparar nas marcas nas laterais do corpo dela, pequenos hematomas escondidos sob a pele clara. Instintivamente, levei a mão para tocá-las, sem nem perceber.
— O que foi? Ahn… — ela seguiu meu olhar e viu onde minha mão queria chegar, sorriu de lado, sem se defender, sem esconder — isso… se acostuma… às vezes fica bem pior… ainda mais quando o cara não sabe fazer.
— Você gosta… disso? Da dor?
Ela me olhou como quem pondera a resposta, como quem já teve que responder aquilo outras vezes.
— Olha, Luana… eu sempre gostei de levar uns tapas… ser pega com força… apanhar de chicote… — ela fez uma pausa, riu, e pela primeira vez pareceu um pouco envergonhada, como se tivesse ido longe demais, ou como se estivesse confessando algo que, no fundo, ainda a expunha — eu confesso… algumas coisas são demais pra mim… mas… nem tudo são flores, né? Pelo dinheiro… a gente tem que suportar muita coisa.
Ela deu de ombros, simples assim, como quem resume a própria vida numa frase que, pra ela, já perdeu o peso, mas que pra mim, ainda latejava, denso, difícil de processar.
— Mas você é muito nova…
De novo, o fator idade era um assunto que ela não queria se aprofundar e se saiu com um:
— As novinhas valem mais.