Capítulo 17
Me despedi do João e fui quase correndo pra casa. Nem precisava trocar de roupa, mas eu tava morrendo de medo dele abrir a boca e dizer que era eu na foto. Dificilmente alguém ia me reconhecer de verdade — a imagem não mostrava meu rosto — mas boato é boato, e o estrago na minha reputação seria o mesmo.
O que mais me deixava aflita era saber que, se o Alfredo apertasse o João, fodeu. João não sabe mentir. Não conseguiria nem se a própria vida dependesse disso.
O Alfredo era um dos moleques mais esquisitos do grupinho do João — e olha que todos os amigos dele são meio bizarros. Ele parecia não ter nem hormônio masculino direito. Loirinho, pele lisa, sem um pelo no corpo, todo certinho, parecia uma menina.
Só que não era gay. Já tinha namorado uma menina do meu curso, e ela jurava que ele pegava ela de jeito. Todo delicado no modo de falar, todo educado… mas na hora H, dizia ela, virava um bicho.
E agora era esse “bicho” que tinha visto minha bunda com um plug enfiado. E achava que tinha descoberto meu segredo.
Quando eu cheguei em casa, meus pais estavam na sala e eu fui correndo pro quarto. Escolhi outra bermuda no armário, lavei os fundos da velha na pia do banheiro e coloquei pra secar escondida.
Na hora de passar de volta pela sala, já sabia: minha mãe ia perguntar por que eu troquei só de bermuda. A mentira já tava pronta — tive um pequeno acidente, coisa normal de acontecer comigo. Ela ia engolir sem estranhar. Meu pai, como sempre, nem ia tirar os olhos da televisão ou ficar quieto com a cara envergonhada.
Quando eu voltei pro apartamento do João, o Alfredo já tava lá. Farejei o ambiente igual bicho acuado — olhando tudo, ouvindo tudo — procurando sinal de caos, de climão, de qualquer coisa fora do lugar. Mas não. Parecia tudo normal demais pro meu gosto.
Os dois estavam empolgados discutindo sobre montar uma sociedade pra completar álbum de figurinhas e vender na internet. Sim. Figurinhas. Nada de fotos, nada de indireta, nenhum sorrisinho suspeito. Aquilo me deixava mais ansiosa ainda.
Deixei os dois no papo e fui me jogar no sofá. Fingi que ia olhar o celular, mas a verdade é que eu só queria ficar de olho. Na hora que deitei senti a dor. Uma fisgada seca na bunda. O João tinha batido mais cedo — de leve, mas o suficiente pra deixar a marca — e meu cuzinho… bom, depois de tanto tempo com o plugue enfiado, tava uma lástima.
Tentei me ajeitar, mudar de posição. Tive que ficar com a bunda meio pro alto, e foi aí que senti o olhar.
O Alfredo.
Ele percebeu. Claro que percebeu. Viu a careta que eu fiz. O desgraçado riu. Um sorriso discreto, nada de mais, mas que me irritou.
“Que caralho, esse garoto presta atenção em tudo”, pensei na hora, fingindo que não vi.
Ele voltou a conversar com o João como se nada tivesse acontecido.
Fiquei ali, com o celular na mão, fingindo scrollar, mas de vez em quando desviava o olhar pra ele. Era magro. Os braços finos, quase do mesmo tamanho que os meus.
Ele não tinha curvas, mas também não tinha músculos. Se colocasse maquiagem e uns brincos, enganava fácil. Passava por garota tranquilamente. Os meninos viviam zoando ele. Chamavam de boneca, de baitola, essas coisas. Só pararam quando ele começou a andar com a turma do João. Aí virou “um tipo exótico”.
Então foi aí que ele começou o ataque. Sutil.
— João, a gente podia divulgar o que a gente tem e tentar formar uma comunidade no Reddit. Tem maluco pra tudo lá! O que você acha?
Na hora meu estômago gelou. Reddit. Foi exatamente onde eu tinha postado a foto. Foi por lá que ele falou com a gente. Ele tava sondando. Testando. Jogando verde pra colher maduro.
A sorte — talvez a única — era que o João podia ser péssimo em mentir, mas era lento demais pra pegar indireta.
— Ia ser bom… mas demora pra formar comunidade grande. Se procurar, eu tenho certeza que a gente acha uma. Lá tem de tudo.
Alfredo mediu o João com o olhar. Parecia tentar entender se ele tava fingindo ou só era burro mesmo. Como não conseguiu extrair nada, continuou.
— Verdade… E eu preciso sair de algumas. Eu devo estar em mais de cem. É um saco ficar recebendo notificação de grupo que você nem acompanha mais. Mas o lado bom… é que sempre aparece alguém conhecido.
Foi ali. Naquela última frase. Que eu tive certeza: ele ainda não sabia.
Ele desconfiava. Muito. Mas não tinha certeza. Se tivesse, já teria chegado metendo o dedo na cara da gente. Era o que eu faria. Então ele tava esperando a gente tropeçar.
— Mas, cara, é só desativar as notificações.
— Sim, mas eu tenho que sentar e ir fazendo isso aos poucos… — ele respondeu sem pressa, folheando um livro que o João tinha mostrado, como se a conversa não tivesse peso nenhum. — Eu tenho que limpar mesmo. Não adianta.
Ele fechou o livro com calma e largou na mesa. Olhou direto pra mim.
— Virgínia, eu cometi uma gaffe feia. Vi uma menina postando uma parada e falei com ela achando que era você! É mole?
A cara dele era a encarnação da falsidade. A voz saía leve, quase inocente, mas os olhos… os olhos estavam caçando qualquer vacilo meu.
João congelou. Ficou branco.
Eu, por instinto, respirei fundo tentando manter a postura, mas a surpresa me pegou desprevenida. Senti meu rosto reagir antes da minha boca.
— Quando isso? — saiu apressado demais. Errado demais.
— Hoje mais cedo.
— Mas… eu não tenho conta.
A frase saiu embolada, defensiva. Eu sabia que tinha errado. Ele percebeu. Aquilo não era uma pergunta — era uma armadilha. E eu fui direto com a cara.
Ele respirou fundo, os olhos brilhando, e começou a rir devagar… devagar… parecia um vilão da Disney. Só faltou bater palma e rodar a capa enquanto revelava o plano maligno.
— Eu… sabiaaaaaa! Peguei vocês no flagra!
Eu ainda tentei reagir, juro que tentei. Mas era tarde demais.
— A foto que vocês postaram! Eu sabia que era você, Virgínia!
— Que foto? — falei, forçando um riso, a voz nervosa demais pra enganar alguém.
Mas ele já tinha cravado.
— Não precisa mentir, eu sei de tudo. E não tem problema, ninguém vai saber de nada, tá?
João, desesperado, tentou mentir. Mas foi um desastre.
— Do que você tá falando?
Alfredo só levantou o celular, deslizou o dedo pela galeria, e mostrou.
A porra da foto.
Minha bunda. O plugue enfiado. Minha buceta toda babada.
A reação foi automática. Meu corpo sentou de uma vez, ignorando a dor, o incômodo, tudo. Minha voz saiu seca.
— Foda-se. O que você vai querer com isso, Alfredo?
Ele não respondeu de imediato. Mostrou de novo a imagem e, com dois toques, aparentemente apagou.
Não significava nada. Ele podia ter salvo em mil lugares. E eu sabia disso.
Fiquei esperando. O que ele queria? Qual era o preço?
— Relaxa. Todo mundo tem seus segredos. Eu tenho os meus.
Ele voltou a mexer no celular. Um silêncio pesado caiu na sala. João me olhou com cara de pânico. Tava branco. Parecia que ia vomitar.
Alfredo ergueu o olhar de novo, com calma.
— Aqui. Vou mostrar o meu. Aí vocês decidem se eu sou amigo… ou não.
O celular do João vibrou com uma notificação. Logo em seguida, o meu.
Mensagem do Alfredo. Um link de um compartilhamento de uma pasta de fotos.
— O que é isso, Alfredo?
— Olha. Se eu contasse, vocês não iam acreditar.
Abri o link, meio na defensiva. Eram fotos de alguma menina fazendo cosplay de anime… ou melhor, de hentai. Uma roupinha minúscula, cheia de fita e decote, bem provocante. Mas nada explícito. Só sensual.
— Quem é? Por que você tá me mostrando isso?
João se aproximou, curioso, pegou seu celular e abriu o link também.
Eu ainda tava tentando entender… olhar melhor…
— Caralho, Alfredo! Tu é gostosa pra caralho!
Demorei dois segundos pra processar.
Olhei de novo. E aí a ficha caiu.
Meu Deus. Era ele.
Era o Alfredo. Fazendo cosplay vestido de mulher.