Capítulo 18
Eu não conseguia conter o sorriso. Era automático. Cada foto que eu deslizava com o dedo me fazia rir baixinho, quase com vergonha de mim mesma. Eu examinava tudo — pose, maquiagem, peruca, até os acessórios. Meus olhos corriam por cada detalhe, e na minha cabeça, uma fila de perguntas começava a se formar, uma atrás da outra, desorganizada e urgente.
Aquilo… aquilo não era um homem. Quer dizer, era. Eu sabia que era o Alfredo, os traços do rosto entregavam. Mas o corpo? As roupas? O jeito como ele olhava pra câmera? Meu Deus.
No chão, em volta da mesa de centro, João tava sentado com ele, rolando de rir como uma criança com brinquedo novo.
— Mas, Alfredo… tu é viado? — mandou João, entre risos.
— João! Que pergunta feia, caralho — falei, dando uma bronca na hora.
— Não, cara. Nada a ver isso. — Alfredo respondeu tranquilo, como quem já tinha ouvido aquilo mil vezes. — Mas, já que tamo aqui nessa vibe de revelação… acho que eu sou bi. Sei lá.
— Como assim “sei lá”? — fui eu que soltei dessa vez, inclinando o corpo pra frente. O assunto me puxou de um jeito esquisito.
Aquilo me interessava. Me tocava, na real. Eu tinha transado com a Anjinha duas vezes, mas na minha cabeça sempre botei a culpa no calor do momento. Nunca me apaixonei por mulher. Nunca fiquei olhando pra uma na rua e pensando besteira.
Mas a dúvida tava lá. Sempre esteve.
— Você gosta ou não de homem? — disparei, sem pensar muito. Eu precisava da resposta, como se ela fosse me ajudar a entender a mim mesma.
— Isso eu só falei pra minha psicóloga, tá bem? — ele disse olhando pra gente com aquele ar de quem tá prestes a jogar um segredo no meio da roda. — Eu tenho… uma vontadezinha de experimentar.
— Aí, Jão! — falei, rindo, oferecendo meu namorado como cobaia sem nem pensar nas consequências.
— Ih, sai fora! Eu gosto de mulher.
— Ué, João… Alfredo parece bem mulher nessas fotos pra mim.
Alfredo ria da minha implicância, e o João só balançava a cabeça. Mas a verdade é que ele parecia mais leve agora. A tensão tinha evaporado, como se a confusão das últimas horas tivesse dado lugar a uma paz esquisita. Todo mundo ali relaxou.
— E como você arruma essas coisas? — perguntei, curiosa. — Sua mãe não acha estranho você aparecer com peruca e roupa de anime em casa?
— Minha mãe nem tá aí pra mim. Ela mal para em casa. E meu pai, né… você sabe. Morreu.
— É, você comentou…
Eu sabia. Os pais do Alfredo sempre cagaram pra ele. Ele foi criado pela avó, e só depois de grande a mãe resolveu “ser mãe” e levou ele pra morar com ela.
— Aí eu meio que curto me exibir. Coloco minhas fotos com a cabeça cortada ou de máscara nesse sub do Reddit aqui. Acho legal receber comentário. O povo é meio escroto no chat, mas no fundo… eu gosto.
Enquanto ele falava, eu percebi uma coisa estranha. A voz dele parecia diferente. Não só o tom — era o jeito de falar. Mais leve, mais solto. Até o corpo dele, a postura… tava diferente. Mais feminino, mais suave. Ele nem parecia notar.
— Pois é… — soltei, rindo. — Eu achei engraçado. E olha… nunca vi tanto pau na minha vida.
— João, tu não ficou com ciúmes não? — procou Alfredo.
— Eu? Claro que não. A ideia foi minha!
— Que cara pervertido…
— Eu, pervertido? — ele retrucou na hora. — Olha quem fala! Tu tira foto de perna depilada e joga na internet, irmão… quer dizer… irmã!
— Ai, vocês dois podem parar? — reclamei rindo. — Assim a conversa fica chata.
Tudo estava mais calmo, a barriga doia de fome e eu fui para cozinha ver o que tinha para fazer de lanche, aproveitei para ver as fotos de novo.
— Alfredo até que é gostosinho assim…
Agora como não havia mais surpresa ou nervosismo, uma quenturinha indesejada começou a me bater enquanto eu via as fotos novamente. Na hora eu me lembrei da história do aplicativo, João e eu tínhamos feito um teste online onde os dois marcaram que curtiam a ideia de fazer com outras pessoas e ver isso.
E não pude evitar de pensar.
E se…
Uns flashes pornográficos passaram pela minha cabeça e eu ri sozinha da minha própria safadeza. Sacudi a cabeça pra espantar aquilo e foquei em fazer logo o lanche pra gente. Foi nesse momento que o João entrou na cozinha.
— Caramba, Vê… ainda bem que tudo deu certo, né?
Ele chegou me abraçando por trás, a mão quente na minha barriga, e deu um beijo na minha nuca.
— Sim… tô tranquila agora. Fiquei muito nervosa.
— Cadê ele?
— Banheiro.
— Eu tô passada com o que ele falou.
— E você… não tá com vergonha dele ter visto sua bunda?
Isso me pegou de surpresa. Eu nem tinha pensado nisso. Antes, só de imaginar um conhecido vendo aquela foto, meu estômago virava. Agora, o cara que viu meu cu tava ali na sala, mexendo no celular, e eu? Eu que devia estar morrendo de vergonha… não tava. Nem um pouco. Era como se aquilo nem me incomodasse.
— Vê… tu viu as fotos dele de calcinha? Onde ele esconde aquilo tudo? Será que é Photoshop?
— Não sei… mas você pode perguntar pra ele.
— Posso, né? Ele pareceu ser bem aberto com isso.
— É… deve ser foda não poder falar com ninguém sobre isso.
— Sim. Na real… os moleques não gostam muito dele.
João parou olhando o nada, eu sabia que a mente dele estava fazendo vários cálculos mentais nessa hora para falar alguma coisa.
— Vê.
— Oi, amor.
— O que você achou dele?
— Como assim?
— Do Alfredo…
Fiquei em silêncio um segundo.
— Eu sei que é do Alfredo que você tá falando. Só não tô entendendo onde você quer chegar.
Meu coração deu uma apertada. João sempre teve dificuldade pra falar certas coisas, mas eu sabia exatamente o que tava passando na cabeça dele. Porque o que ele queria dizer já tinha passado na minha cabeça também.
— Nada, não. Eu só… achei legal essa coisa que ele faz.
Ele preferiu desconversar e eu achei melhor não continuar no assunto.
Depois que tudo ficou pronto, a gente comeu ali mesmo na cozinha, uns sanduíches que eu preparei rapidinho. Os meninos lavaram a louça e depois fomos pro quarto do João. Ficamos vendo vídeo besta no celular, falando merda, rindo — como se nada tivesse acontecido. Nenhum clima estranho, nenhum comentário atravessado. Tudo de boa.
Já tava ficando tarde e eu sabia que minha mãe ia pertubar logo logo.
— João, eu já vou. Tá tarde e daqui a pouco minha mãe começa a mandar mensagem.
— Eu também vou — disse o Alfredo, se levantando. — Eu vou contigo.
Nos despedimos do João e saímos juntos. Ele ia me acompanhar por umas quatro quadras antes de seguir o caminho dele. Assim eu não precisava ir sozinha na maior parte do trajeto.
Logo que a gente virou a esquina, ele puxou assunto.
— Virgínia… você gostou das fotos que eu te mostrei?
— Gostei, sim. Você fica muito bonito daquele jeito.
— Eu… não sei se eu posso dizer isso, mas… eu gostei muito da sua.
Aquilo me pegou de surpresa. Olhei pro chão, sem saber onde enfiar a cara.
— Ah… obrigada. Eu… não esperava que alguém fosse ver.
— Tranquilo. — Ele fez uma pausa, o passo dele desacelerando um pouco. — E… se tiver mais e quiser me mandar… eu gostaria de ver.
Ele não falou aquilo na frente do João. Aquilo me acendeu um alerta. Será que ele tava me cantando? Descaradamente assim?
— Não sei se tem… a gente nunca tinha feito. E eu já me arrependi. Se tiver, tá no celular do João. Mas ele deve ter apagado.
Eu mandei essa com aquele tom sutil de “ei, cara, eu tenho namorado”. Foi automático. Alfredo não me ameaçava em nada, mas…
— Eu entendo. Eu gosto dessa coisa de exibição. E… se os dois tiverem, eu gostaria. Nada demais.
— Do João também? Você quer ver o pau dele, Alfredo?
— Hum… sim. Na verdade, eu tenho curiosidade de ver.
Eu parei por um segundo. Não sei o que me deu. Mas se eu tivesse uma foto do João ali, eu juro… eu juro que eu mandava. Na hora.
— Tá. Em casa eu vejo se eu tenho e te mando.
Ele riu. Riu daquele jeito quase feminino. Me deu dois beijos de despedida, um em cada bochecha, e virou a esquina pro caminho dele.
Fiquei ali parada por um segundo. A rua mais vazia.
E eu… fiquei pensativa.
Foi quando tive uma ideia mega absurda.