Capítulo 9

Eu não tinha pra onde ir. Tinha chegado cedo na casa dele, e mesmo com o trânsito não tinha me atrasado tanto assim. Quando olhei no celular, eram umas onze horas. Cedo demais pra simplesmente voltar pra casa sem dar bandeira, então fui direto pra escola. Sentei lá, tentando organizar na cabeça o que tinha acabado de acontecer. Concatenar os fatos. Mas a verdade é que eu não conseguia parar de sorrir. Eu estava feliz, muito feliz. Orgulhosa de mim mesma. Me sentia mulher feita, como se tivesse atravessado uma porta que ninguém podia fechar atrás de mim. E eu queria contar pra alguém, queria dividir a novidade, mas não tinha com quem. A Sam tinha aula de manhã, não ia conseguir falar com ela. A escola proibia telefone, não tinha nem chance. Valéria estava por ali, mas cercada das meninas do grupo, impossível puxar um papo sem virar fofoca geral. Foi quando senti uma mão leve no meu ombro. Virei e vi Amanda. — Oie! — ela disse, no tom baixo e tranquilo de sempre. — Oi Amanda, tudo bem? — respondi, surpresa. — Por que você veio cedo? Vai estudar? — ela perguntou, arqueando uma sobrancelha. — Mais ou menos… sei lá. Eu fui encontrar uma pessoa e deu errado, sabe? Aí tô largada na vida. Ela riu. Amanda era daquele jeito: quieta, de pouca expressão, raramente falava muito. Mas o riso dela foi sincero, e naquele instante me veio a sensação de que talvez fosse com ela que eu acabaria contando. Só que puxar assunto com Amanda era sempre difícil, parecia que ela nunca estava realmente interessada nas conversas. Dessa vez, no entanto, ela percebeu. Eu não parava de olhar o telefone, de desbloquear a tela e bloquear de novo, como se esperasse algo. — O que tanto você olha nesse telefone? — ela perguntou, sem rodeios. Eu suspirei. A verdade é que eu esperava uma mensagem dele. Tudo bem que não fazia nem uma hora que eu tinha saído debaixo dele, mas parte de mim esperava um “tá bem?”, um “gostei de você”, qualquer coisa. E o silêncio me deixava inquieta. — Sabe o que é? — falei baixo, mordendo o lábio. No meio do pátio, puxei Amanda para um canto mais reservado. O coração disparava. — Eu saí com um carinha agora há pouco… Os olhos dela se estreitaram. — Saiu? E como foi? — Ahn… foi bom. Quer dizer, foi bom sim. Mas sei lá, eu esperava que fosse melhor, sabe? Foi muito bom, mas… não foi mágico. — falei rápido, atropelando as palavras, sem conseguir olhar muito nos olhos dela. Amanda me encarou séria, e então soltou: — Que papo… estranho. Pera… você deu pra ele? Eu olhei para o lado, como quem confessa um crime. O rosto queimava de vergonha e orgulho ao mesmo tempo. — Uhum… sim. Mas não conta pra ninguém. O silêncio dela pesou. Amanda não riu, não fez piada, não fingiu surpresa. Só me olhava com aquela cara séria, meio analítica, curiosa, como se estivesse tentando me ler por dentro. — E daí… conta. Vai falar só isso? — ela soltou. — É que eu não sei o que dizer… eu nunca tinha dado pra ninguém! — falei rápido, como se fosse uma confissão. — Eita! Todo mundo falava que tu já tinha dado… — Amanda deixou escapar uma risadinha curta. — Porra nenhuma! — respondi, quase ofendida. Ela balançou a cabeça, e dessa vez não pareceu surpresa. — Eu sabia. — afirmou com firmeza. — Sabia? Como assim? — perguntei desconfiada. — Sei lá… sexto sentido. — deu de ombros, mas logo emendou a pergunta, olhando bem pra mim: — Tá doendo? Sangrou? Me ajeitei um pouco dentro da calça, desconfortável só de pensar na sensação. — Doendo não… mas parece que eu tô com um ardidinho, sabe? Tipo dor de urina leve… queimando um pouco. Amanda franziu o cenho. — Tu passou alguma coisa? — Não, mulher! — revirei os olhos. — Como é que eu vou saber o que usar? Porra… Ela ficou me encarando séria, quase preocupada, e pela primeira vez eu senti que ela realmente queria saber, que não era só fofoca. — Quer matar aula? Vamos lá pra casa! — Amanda soltou do nada. — Vou dizer que é uma boa ideia, hein… — respondi, meio rindo. Na minha cabeça, eu já fazia as contas: minha mãe não ia saber mesmo. Se a escola ligasse, eu dizia que tinha me enrolado com estudo, que matei aula pra “estudar” em outro lugar. Eu já tinha feito isso antes, não seria a primeira vez, e ela não reclamaria muito. — Quer saber? Vamos! — falei decidida. E fomos. A casa dela ficava a poucas quadras, dava pra ir caminhando. O apartamento era imenso. Família de gente rica, rica mesmo. Daquelas que trabalham na justiça há anos, cheio de juiz e desembargador na árvore genealógica. Quando entramos no quarto dela, fiquei de boca aberta. Era foda. Espaçoso, iluminado, com um closet enorme. Mas aí vinha o contraste: vazio. Amanda não ligava muito pra essas coisas. Era largada com moda, não tinha aquele cuidado que a maioria das meninas da nossa idade tinha com roupas, maquiagem, acessórios. Pensei comigo: “se fosse eu com esse dinheiro todo, já tinha torrado metade em roupa, sapato, bijuteria, perfume importado…”. Mas Amanda era diferente. O quarto tinha a estrutura de princesa, mas o uso era de quem não tava nem aí. Na casa, praticamente só nós duas. Tinha a empregada, mas segundo Amanda, a pobre falava menos do que ela. Silêncio total, só o barulho da nossa respiração e dos passos no piso frio. — Amanda, anota aí: quando você for dar, leva sempre uma calcinha extra. Porque, olha, por mais que você tome banho depois, não parar de sair troço de dentro. Eu tô molhada ainda, num ponto que já tá me incomodando. Daqui a pouco isso vai me deixar assada. — falei, rindo nervosa, mas sendo sincera. Amanda me olhou, séria como sempre, e soltou: — Quer uma emprestada? — Que nojo! Não uso calcinha dos outros, não, cara! — respondi rápido. Ela riu da minha reação, aquele riso curto, quase abafado. — Vai no banheiro, lava a tua, coloca pra secar e fica sem. Eu te empresto um short. — disse, enquanto revirava uma gaveta, procurando algo. — Eu jurava que tinha umas calcinhas novas aqui, que comprei, lavei e nunca usei. — Não precisa, me dá o short que já resolve. Onde é o banheiro? — Ali. — respondeu, apontando com o queixo para uma porta dentro do quarto. “Lógico”, pensei. Claro que era suíte. E que suíte. O banheiro dela parecia coisa de hotel cinco estrelas: mármore em tudo, bancadas enormes, e uma banheira tão grande que parecia mais uma piscina particular. O espelho então… imenso, iluminado de todos os lados, daqueles que não perdoa nenhum detalhe. “Caramba, eu nunca tinha vindo na casa dela… eu sabia que a Amanda era rica, mas desse tipo aqui, não imaginava.” — Nunca entrei numa banheira, acredita? — falei, impressionada. — Jura? Eu tenho aí, mas quase não uso. — ela respondeu, encostada no batente da porta, olhando pra mim com atenção. Eu já estava acostumada com o jeito dela olhar. Sempre quieta, mas o olhar fixo, que às vezes parecia demorar demais na gente. As meninas viviam dizendo que ela era sapatão, e talvez fosse mesmo, não sei. Mas o olhar… era o mesmo tipo que os meninos lançavam quando viam a gente de roupa curta. Só que no caso dela, já era natural. Eu já nem ligava. Tirei o tênis, depois puxei o jeans, e por fim baixei a calcinha pra ver o estado. Lastimável. Parecia um corrimento branco, meio grosso, começando a secar, com um cheiro esquisito, forte, quase de água sanitária. Eu franzi o nariz na hora, levando a peça mais perto e cheirando, torcendo a cara de nojo. — Ai, que nojento! — reclamei, encolhendo os ombros. — Cadê, deixa eu ver? — Amanda falou, séria, sem nem se mexer do batente. — Pra que você quer ver meus fundilhos, garota? — retruquei rindo, mas já cobrindo a peça com a mão. — Curiosidade, porra. Eu nunca vi porra. Deixa eu ver! — insistiu, com aquele tom seco que parecia mais ordem do que pedido. Eu achei aquilo meio íntimo demais, mas, pô, eu já estava pelada no banheiro dela, calcinha na mão… acabei mostrando. Amanda ficou olhando por um tempo, séria, analisando como se fosse um experimento de ciências. Depois levantou os olhos pra mim e falou, seca: — Garota, você é nojenta. Isso tá fedendo… — Vai à merda! — retruquei rindo, sem conseguir segurar. — São os filhos do meu amor! — completei, segurando a calcinha no ar com cara de nojo, mas rindo da própria piada. Amanda arregalou os olhos por um segundo, depois também riu, daquele jeito curto e abafado dela. O banheiro ecoou nossa risada, e por um instante eu esqueci da vergonha. Ela abriu o armário e pegou um sabão de coco, meio já usado, mas guardado ali estrategicamente. — Toma, usa isso. — disse, estendendo na minha direção. Peguei, ainda rindo. A cumplicidade naquele momento era estranha e gostosa ao mesmo tempo, a Amanda era “amiga” das meninas por convivência, mas acho que ninguem era de chamar ela para fazer as coisas depois das aulas ou fim de semana, na verdade, tipo, era uma colega de todo mundo, mas amiga, não, isso ninguém era dela. O motivo era só preconceito com o jeito dela ser mesmo, mas ela era bem legal até, às vezes.